A HISTÓRIA: No verão de 2014, Bernard Jordan ganhou as manchetes mundiais. Ele havia encenado uma "grande fuga" da sua casa de repouso para se juntar a outros veteranos de guerra numa praia na Normandia, comemorando a queda dos seus camaradas no 70º aniversário do Dia D. Foi uma história que capturou a imaginação do mundo enquanto Bernie encarnava o espírito desafiador e "can-do" de uma geração que estava rapidamente a desaparecer. Mas claro, não foi toda a história. Foi uma releitura inspiradora da necessidade de um homem lidar com o trauma duradouro da guerra.

"A Última Evasão": nos cinemas a partir de 7 de março.


Crítica: Francisco Quintas

Diz o romancista americano Walter Mosley que toda a gente merece deixar de trabalhar mais cedo se fizer algo que odeia. No caso da maioria dos artistas, aplica-se o inverso: quando a paixão de um indivíduo é o trabalho, para quê pensar sequer em pendurar as botas?

Por essas e por outras, o mundo contempla a felicidade de ter almas talentosas a prolongar a estadia em palcos, páginas e ecrãs, se tiverem a sorte de nem corpo nem cabeça lhes falhar.

Um dos grandes ícones da Sétima Arte a picar o ponto recentemente é Michael Caine, nascido em Londres em 1933, que trabalhou em centenas de produções em cinema, televisão e teatro, ao longo de uma carreira de mais de sessenta anos. Seria de esperar, portanto, que “A Última Evasão”, além de um drama singelo e descomplicado baseado numa incrível história verídica, correspondesse ao merecido fechar do pano do ator de “Um Golpe em Itália” (1969), “Get Carter” (1971), “Autópsia de um Crime” (1972), "A Educação de Rita" (1983), "Ana e as Suas Irmãs" (1986) e “Regras da Casa” (1999), entre muitíssimos outros.

À sua maneira, o realizador Oliver Parker compõe um 'tour de force' emocionalmente apropriada para um artista de 90 anos, um homem que, tal como a personagem principal, requer muleta e andarilho. Por esse vagar, o filme não se mostra apressado em nenhuma direção, entregando com brio uma ação pragmática e acessível, jamais entediante.

Para o tom familiar e confortável de domingo de tarde, uma aura que merece ser resgatada em cinema, muito contribuiu o guião de William Ivory, oscilante entre leveza e sagacidade, características do sentido de humor das próprias personagens. Estas, por seu lado, são elevadas pelo charme natural de Michael Caine e de uma gigante chamada Glenda Jackson, falecida em Junho do ano passado e nos deixa uma carreira de representação de excelência.

Por mais encantadoras que sejam as suas mundanas virtudes, nem sempre a “A Última Evasão” faz justiça às personagens secundárias. Embora reduzido, o papel de John Standing permite-lhe alguns momentos marcantes, assentes num comentário ambicioso sobre as sequelas físicas e psicológicas dos homens que regressaram da Segunda Guerra Mundial. As sequências de 'flashback' na praia de Omaha, apesar de muito repetitivas, também cumprem esse requisito.

Victor Oshin, na tentativa forçada de atualizar essas sequelas para o século XXI, torna-se uma presença desnecessária, não desfazendo o empenho do ator. E falando em bons desempenhos, o talento da jovem Danielle Vitalis é bastante desaproveitado, denunciando uma personagem que mais parece ter sido concebida com uma intenção maior. Fica-se com a ideia de que os derradeiros retoques do alinhamento de montagem decidiram descartar a respetiva sub-trama para reduzir a duração do produto final. O que é uma pena, pois é nas cenas divididas com Glenda Jackson que reside, em parte, o coração d´ “A Última Evasão”, antes de migrar de novo para as palavras trocadas e mãos dadas entre Jackson e Michael Caine.

Para o caminho que o filme quer percorrer, saltitante entre costa inglesa e costa francesa, é muito satisfatório que não se sinta no direito de andar ao colo da publicidade em redor do 'papel de reforma' de Michael Caine. Tal como o seu protagonista, tem pernas para andar e prova-se contínuo merecedor da nossa admiração e do nosso apreço.

Caro Michael, obrigado pelo seu trabalho. Até mais ver.