A HISTÓRIA: “Dune – Duna: Parte Dois” explora a jornada mítica de Paul Atreides, que se une a Chani e aos Fremen durante um golpe de vingança contra os conspiradores que destruíram a sua família. Ao enfrentar uma escolha entre o amor da sua vida e o destino do universo, ele lutará para evitar um futuro terrível que só ele pode prever.

"Dune – Duna: Parte Dois": nos cinemas a partir de 29 de fevereiro.


Crítica: Francisco Quintas

Terá sido por volta dos anos 70, com a invenção do 'blockbuster' americano como o conhecemos, que se ergueu uma cortina de ferro entre aqueles que são entendidos como cinema comercial e cinema de autor. Em contraste com um cinema reivindicativo, cínico e ambíguo na moralidade das suas personagens, fruto de uma nação severamente dividida em matérias sociopolíticas, alguns visionários propuseram marcas de entretenimento que ficaram grudadas na cultura popular para a eternidade. Pense-se em George Lucas e no sucesso estratosférico de “A Guerra das Estrelas”.

Uma "Parte Dois" mais visceral, musculada e emocional: "Dune" é para ser visto no maior ecrã possível
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Colou-se, de novo, ao entretenimento a ideia de diversão e as obras de arte deixaram de se sentir pressionadas em levar avante uma mensagem ativista. Consequência disto ou não, a tendência dos diversos autores da Sétima Arte passou a ser procurar financiamento no circuito de cinema independente, livre de grandes amarras publicitárias e obrigatoriedade em gerar lucro.

Consequência certa deste fenómeno é uma forte, duradoura e imerecida distância entre os dois rótulos: o cinema comercial tido como infantil e o cinema de autor tido como pretensioso. Felizmente, no centro da controvérsia – onde mais que Hollywood? –, desfazendo esta “segregação” da comunidade cinéfila, são escassos os realizadores que proporcionam uma experiência igualmente rica em temas de natureza reflexiva e no espetáculo audiovisual que deixa plateias de queixo caído e empoleiradas nos seus assentos.

Na véspera de “Duna” (2021), o canadiano Denis Villeneuve dispensava provas para ser considerado uma das principais vozes do cinema contemporâneo. Não só o filme deixou pontas soltas para ser amarradas por uma sequela esmagada por altíssimas expectativas, como conotou o trabalho do cineasta com a promessa de unir o melhor dos dois mundos. Confirma-se, posto isto, que “Dune – Duna: Parte Dois” é uma resposta magnânima a essa promessa. E uma das melhores sequelas já feitas.

Parecia improvável Villeneuve superar o controlo criativo e técnico demonstrado em obras como “Raptadas” (2013), “O Primeiro Encontro” (2016) ou “Blade Runner 2049” (2017). Chegam a faltar palavras para descrever a comunhão hipnotizante da montagem de Joe Walker, da fotografia de Greig Fraser e da música de Hans Zimmer, aquando de momentos que ficarão para futura referência no género de épicos de ficção científica. As sequências de ação são monumentais e recuperam a urgência de entrar na bela sala escura para assistir a um filme, urgência que se julgava esquecida. A experiência em IMAX vale cada cêntimo.

Em simultâneo com todo o aparato sensorial e visual, “Dune – Duna: Parte Dois” é uma esplêndida criação de mundo, imbuída na análise temática central: um estudo sobre religião, superstições e as narrativas messiânicas que sustentam lutas coletivas durante milénios.

O contexto peregrino, com um idioma e costumes próprios, presta respeito às principais fés da civilização antiga e moderna, quiçá vindoura, num planeta que se tornará, eventualmente, inabitável pela raça humana, à espera de renovar os seus recursos como se nunca nós estivéssemos cá estado. Por extensão, é um olhar muito verdadeiro sobre os climas de guerra e totalitarismo, a humanidade como sempre está e estará, uma eterna fábula sobre ocupados, opressores, capitalismo e crueldade.

Num sentido teológico ou literal no presente marcado por conflitos bélicos, o guião de Villeneuve e John Spaihts é certeiro em transmitir as principais ideias, aventurando-se por uma linguagem, por vezes, 'shakespeariana'. Nesse sentido, contudo, a direção de elenco é o pilar mais possante.

Apesar das quase três horas de duração, e sendo um dos objetivos deste tipo de cinema oferecer participações igualitárias do maior número de atores populares, existe imenso talento de sobra e personagens que mereciam mais desenvolvimento, nomeadamente as antagónicas. Ainda assim, não existe um único mau desempenho neste campo, antes pelo contrário. No topo de uma turma de excelência, Zendaya, Javier Bardem e Rebecca Ferguson merecem palmas e assobios barulhentos. Timothée Chalamet, por sua vez, consagra-se como um dos talentos da sua geração. E cedo não deverá parar de nos surpreender.

A julgar pelas antevisões de bilheteira e apreciações da crítica especializada até agora, “Dune – Duna: Parte Dois” vai conquistar o sucesso que almeja para a continuação, tanto em cinema como em televisão, da saga baseada no universo literário do americano Frank Herbert. De modo a deixar maturar o terceiro guião (em desenvolvimento), Denis Villeneuve vincou o seu desinteresse em regressar, de imediato, às areias reluzentes da Jordânia e dos Emirados Árabes Unidos.

Seja qual for e chegue quando chegar o ponto final da odisseia por Arrakis e pelo Universo Conhecido, esta equipa pode orgulhar-se de ter proporcionado uma experiência cinematográfica genuína. A cortina caiu.