Estimado em entre 30 e 50 milhões de euros, o quadro foi vendido a uma coleção privada de Hong Kong, HomeArt, no extremo inferior da faixa estimada da casa de leilões im Kinsky, longe dos 86 milhões de euros conseguidos em junho de 2023 em Londres por outro quadro do artista.

O comprador prometeu deixar a obra à disposição do museu Belvedere de Viena, que expõe o famoso "Beijo" de Klimt, durante três meses.

O diretor da casa de leilões im Kinsky, Ernst Ploil, disse-se "decepcionado" pelo preço final (35 milhões de euros com os gastos) e culpou os "diversos artigos de imprensa críticos" que podem ter dissuadido possíveis compradores.

Só havia um eventual comprador, lamentou, pois os outros desistiram por causa das dúvidas à volta da procedência do quadro, encomendado por uma rica família judaica e pintado em 1917 por Klimt pouco antes de morrer.

Ainda assim, Claudia Mörth Gasser, responsável pela seção de arte moderna, assinalou que se trata de um acontecimento notável porque "uma obra comparável" jamais foi oferecida no país natal de Klimt.

"Ninguém esperava que um quadro desta importância, desaparecido durante 100 anos, ressurgisse", disse. O recorde austríaco anterior era de 7 milhões de euros por uma pintura flamenca vendida em 2010.

Quem é a protagonista?

Este retrato sem assinatura tinha vindo a causar sensação, em especial porque está muito bem conservado e nunca saiu da Áustria.

Desde a sua apresentação em janeiro, uma multidão compareceu a exposições na Suíça, Alemanha, no Reino Unido e em Hong Kong para o admirar.

O quadro, iniciado em 1917 e não concluído, representa uma jovem morena com traços precisos, com uma grande capa ricamente decorada com flores, sobre um fundo vermelho vivo.

O pintor morreu no ano seguinte e o mistério sobre a identidade da modelo, muito debatido na imprensa especializada, continua vivo.

Quem é esta jovem vienense da alta burguesia que visitou nove vezes o atelier do venerado génio da sua época? Sabe-se que fazia parte da família Lieser, uma grande dinastia industrial judaica e mecenas das vanguardas artísticas.

É uma das duas filhas de Henriette (Lilly) Lieser, Helene e Annie, uma mulher rica, divorciada e pioneira da emancipação feminina? Ou a filha do seu cunhado Adolf, Margarethe, como consta no primeiro catálogo completo das obras de Klimt, feito nos anos 1960?

No poder de um comerciante nazi

A única fotografia conhecida do quadro, provavelmente feita em 1925 dentro de uma exposição, sugere que, naquele ano, ele pertencia a Lilly Lieser.

Segundo o jornal Der Standard, com base em correspondências arquivadas num museu austríaco, ela pode ter confiado a obra a um dos seus funcionários antes de morrer.

O quadro ressurgiu em poder de um comerciante nazi. Depois, foi herdado pela filha deste e, mais tarde, por parentes distantes.

Para a casa im Kinsky, especializada em procedimentos de restituição, trata-se de "uma hipótese entre outras".

Depois da guerra, o quadro nunca mais foi reivindicado por um dos três descendentes de Lieser que sobreviveram, ao contrário de outros bens,

Segundo Mörth Gasser, os donos, que desejam permanecer no anonimato, entraram em contato com sua empresa há dois anos para solicitar assessoria jurídica.

A im Kinsky informou que os atuais beneficiários das duas vertentes da família Lieser vivem nos Estados Unidos. Alguns viajaram para ver o quadro e depois assinaram um contrato com os proprietários, eliminando assim um obstáculo para a sua venda.

Nenhuma informação foi divulgada sobre os termos deste acordo extrajudicial e alguns especialistas criticaram este procedimento por o considerarem rápido demais.

O quadro não foi exposto nos Estados Unidos por receio de que pudesse ser confiscado pela Justiça em caso de litígio, como é norma para as obras suspeitas de serem fruto de espólio.