Em dois anos, iria do cume da glória ao abismo do fracasso. Foi no cinema que isso sucedeu mas, em várias instâncias, a sua própria vida não foi alheia aos altos e baixos da fortuna, que não pouco terão servido para modular a dor na voz da mais importante figura da música portuguesa do século XX.
Amália Rodrigues, que faleceu há 10 anos, a 6 de Outubro de 1999, estreou-se no cinema em 1947, já a carreira de cantora ia bem alta, com uma década de sucessos aquém e além fronteiras, embora muito longe dos cumes que viria a atingir.

Por essa altura, ainda a televisão nem era uma miragem, a participação no cinema era importante para alargar e sedimentar o sucesso popular, e Amália estreou-se logo como protagonista, com um dos maiores êxitos da história do cinema português:
«Capas Negras», de Armando de Miranda. O filme tinha a Universidade de Coimbra por pano de fundo e o romance entre uma «tricana» e um estudante de direito (
Alberto Ribeiro) como ponto central. Segundo os registos da altura, só em Lisboa o filme esteve em cartaz 22 semanas e foi visto por mais de 200 mil espectadores. A canção
«Coimbra» ganhou a eternidade graças a este filme e tornou-se a música portuguesa mais popular internacionalmente.

No ano seguinte, o sucesso seria ainda maior com um filme com laivos de autobiografia:
«Fado, História d'uma Cantadeira», estreia na realização de Perdigão Queiroga, sobre a ascensão à fama de uma fadista, Ana Maria, interpretada por Amália, a liderar um elenco com nomes da craveira de
Vasco Santana,
António Silva e
Virgílio Teixeira. O êxito de público foi ainda maior, embora o facto do filme ter custado cerca do dobro do anterior lhe tenha mitigado o lucro.

Porém, logo em 1949, depois do que foram, provavelmente, os dois maiores sucessos do cinema português até essa data, Amália protagonizou um dos seus maiores desastres:
«Vendaval Maravilhoso». Com um orçamento gigantesco e em co-produção com o Brasil, o filme abordava a vida do poeta brasileiro Castro Alves e o seu amor pela portuguesa Eugénia Infante da Câmara (Amália), que trocara a aristocracia pelo palco. De ambição desmedida, o filme foi um fracasso monumental em todas as frentes e destruiu a carreira do seu realizador, José Leitão de Barros, um dos nomes mais importantes do cinema nacional, como filmes como
«Maria do Mar» e
«Camões». Hoje em dia, só dele resta a imagem, tendo-se perdido o som.

A carreira de Amália prosseguiu centrada na música, só voltando pontualmente ao cinema. Em 1955, teve uma pequena participação num filme francês rodado em Portugal
«Os Amantes do Tejo», de Henri Verneuil, imortalizando aí
«Barco Negro», e em 1958 voltou aos papéis protagonistas em
«Sangue Toureiro», de Augusto Fraga, a primeira longa-metragem portuguesa a cores, como a fadista que se apaixona por um toureiro, encarnado por Diamantino Viseu.

Em 1964, a cantora regressou ao cinema com
«Fado Corrido», já na fase descendente da carreira de realizador de Jorge Brum do Canto, que também surge no filme como actor, em mais um aristocrata que se apaixona por Amália, num filme co-escrito por David Mourão Ferreira. Embora a fortuna crítica não a tenha acompanhado aqui e em «Sangue Toureiro», a performance de ambos os filmes nas bilheteiras foi razoável.

Tal não sucedeu com o último filme da sua carreira,
«As Ilhas Encantadas», realizado em 1965 por Carlos Vilardebó e produzido por António da Cunha Telles, uma co-produção entre Portugal e França muito ambiciosa e onerosa, que seria um fracasso tal que fez falir o produtor, que, felizmente, conseguiria voltar mais tarde à mó de cima do cinema nacional. Rodado em Porto Santo, é o único filme em que Amália não canta e em que demonstra para além de quaisquer dúvidas os seus dotes de actriz. Infelizmente, o retumbante «flop» do filme fez Amália deixar o cinema de vez, só a ele regressando em 1991, num «cameo» no filme
«Até ao Fim do Mundo», de Wim Wenders.

Em 2008, nove anos após a sua morte, o cinema retratou a sua vida em
«Amália - O Filme», realizado por
Carlos Coelho da Silva e com
Sandra Barata Belo no papel principal, que foi um êxito de público embora não tenha surtido a mesma sorte com a crítica.