Faleceu a realizadora francesa Agnès Varda. Tinha 90 anos.

"A realizadora e artista Agnès Varda morreu na sua casa na noite de quinta-feira, na sequência de um cancro", anunciou a família em comunicado.

O seu último trabalho, o documentário "Varda por Agnès" foi apresentado em fevereiro no Festival de Berlim.

Neste filme introspectivo em duas partes em forma de lição de cinema e balanço de uma carreira de mais de 60 anos, ela fala sobre as suas inspirações e o seu trabalho, principalmente depois dos anos 2000.

A cineasta disse então, durante uma longa e emocionante conferência de imprensa em Berlim, que estava a "desacelerar" e "a preparar para se despedir, para partir".

Multipremiada ao longo de uma carreira iniciada em 1954”, Varda nasceu em Bruxelas no dia 30 de maio de 1928, filha de pai grego e mãe francesa, mudando-se para Paris para estudar fotografia, segundo a biografia da France Culture.

Era habitualmente classificada como a “avó” do movimento cinematográfico Nouvelle Vague, cujo filme de estreia, "La Pointe Courte" (1954), antecipava o movimento que revolucionou o cinema francês.

Varda destacou-se, poucos anos depois da sua estreia, com “Cléo de 5 à 7”, de 1962 (“Duas Horas na Vida de uma Mulher”, no título português).

O seu olhar sobre a realidade tornou-se uma referência no cinema, sempre inspiradora em várias épocas.

Em 1985, venceu o Leão de Ouro em Veneza por “Sem Eira Nem Beira”, cinco anos antes da morte do seu marido – e também realizador – Jacques Demy, uma relação que começou em 1958 e cuja infância e amor pelo cinema e teatro retratou em "Jacquot de Nantes" (1991).

Em 2000 fez o aclamado "Os Respigadores e a Respigadora" (2000) e com "As Praias de Agnès” venceu o César de Melhor Documentário em 2009, oito anos depois de ser distinguida com um prémio honorário na cerimónia do melhor cinema francês.

Em 2014 recebeu o Leopardo de Honra do Festival de Locarno e no ano seguinte foi a primeira mulher a receber a Palma de Ouro de Carreira do Festival de Cinema de Cannes.

Os Óscares honorários de 2018: em baixo, a realizadora Agnès Varda, o diretor de fotografia Owen Roizman e o ator Donald Sutherland. Em cima, o realizador Alejandro González Iñárritu, Óscar especial por "Carne y Arena", a sua instalação de realidade virtual, e o realizador Charles Burnett.

Em 2018, a Academia de Hollywood atribuiu-lhe um Óscar honorário, no mesmo ano em que se fez a estreia e se tornou a personalidade mais idosa de sempre nomeada para um Óscar competitivo com “Olhares Lugares”.

A cineasta cuja visão e trabalho únicos lhe granjearam incontáveis fãs no mundo inteiro desde os anos 50 e JR, o icónico fotógrafo e muralista, com mais de um milhão de seguidores no Instagram, revelavam ter mais em comum do que se podia imaginar num documentário que entrou em várias listas de melhores do ano.

Agnès Varda esteve várias vezes em Portugal, algumas das quais para mostrar e falar de cinema. Em 2016 foi distinguida pela Universidade Lusófona do Porto com um doutoramento ‘honoris causa’ e foi-lhe dedicado um ciclo no Rivoli - Teatro Municipal.

Na altura, Agnès Varda recordou a vez em que visitou Portugal na década de 1950, enquanto fotógrafa, tendo atravessado a fronteira olhando para “uma paisagem desértica” que a fez sentir-se numa superfície lunar.

É dela uma fotografia icónica captada em 1956, de uma mulher vestida de preto, a caminhar descalça numa rua na Póvoa de Varzim, junto a uma parede com um cartaz rasgado de Sophia Loren.

"Portugal é um país do cinema para mim", disse a realizadora, recordando nessa cerimónia no Porto os convites de José Marques Vieira para participar no festival de cinema da Figueira da Foz, as interações com o produtor Paulo Branco e o realizador Manoel de Oliveira, e o cinema de João Mário Grilo, Pedro Costa e João César Monteiro.

Em 2009, a Cinemateca Portuguesa e 10ª Festa do Cinema Francês dedicaram-lhe uma retrospetiva e teve duas instalações-vídeo na Capela da Casa de Serralves, no Porto.

Nesse ano, então com 81 anos, Agnès Varda afirmou, num encontro com a imprensa portuguesa, que lhe interessava fazer pequenos filmes com a sua visão do mundo e que estivessem em diálogo com as artes plásticas.

Apesar do seu cinema ter uma marca documental, um carácter social e feminista, generoso e terno, a realizadora garantiu que o seu maior combate no cinema era "fazer sempre algo de novo", sem perder o traço experimental, e transmitir emoções.

RECORDE A PASSAGEM DE AGNÈS VARDA POR PORTUGAL EM 2009.