O ator britânico Joss Ackland, que se destacou no papel de vilões do cinema numa carreira variada de oito décadas, morreu no domingo, informou a sua família. Tinha 95 anos.

Numa declaração, informaram que o ator, conhecido pela sua “voz distinta e presença imponente”, faleceu pacificamente em casa, rodeado pelos parentes.

“Ele será recordado como um dos atores mais talentosos e queridos da Grã-Bretanha”, acrescentaram.

O vilão mais famoso de Ackland no grande ecrã foi o de um sul-africano corrupto em "Arma Mortífera 2" (1989), cuja imunidade diplomática acabava por falhar em protegê-lo dos determinados polícias interpretados por Mel Gibson e Danny Glover.

"Imunidade diplomática!" dizia de forma memorável Arjen 'Aryan' Rudd antes de ser morto por Roger Murtaugh (Glover), que dizia que tinha "acabado de ser revogada".

Foi ainda um mafioso vingativo em "O Siciliano" (1987) e um aristocrático inglês acusado de assassinato no Quénia em "Adeus, África" (1987), um dos seus trabalhos mais recordados.

Entre mais de 130 créditos em cinema e TV de grande variedade, destacam-se "Bill e Ted no outro Mundo" (1991), "A Hora dos Campeões" (1992), o telefilme "Daisies in December" (1995) e dois filmes em que interpretou russos, "Caça ao Outubro Vermelho" (1990) e "K-19" (2002), ao lado de atores como Sean Connery, Maggie Smith, Judi Dench, Keanu Reeves e Emilio Estevez.

Ackland até fez uma participação especial como um assassino que andava à boleia num vídeo surreal para a versão synth-pop dos Pet Shop Boys de "You Were Always On My Mind".

Mas longe de se sentir estigmatizado, o imponente ator, que tinha 1,85 metros e uma voz rica que entre a tranquilidade de um avô e a ameaça absoluta, deleitou-se com os papéis.

“Acho que ainda é possível ser subtil, mas é muito mais fácil retratar o mal do que o bem”, disse ele à rádio BBC em 2001.

Joss Ackland em novembro de 2008

Ackland atribuiu a sua prolífica produção na televisão, cinema, teatro e até musicais às suas primeiras lutas como ator.

Essas dificuldades nos primeiros 10 anos da sua carreira, a partir de meados da década de 1940, levaram-no e à sua esposa, a atriz Rosemary Kirkcaldy, a mudarem para uma plantação de chá no Malawi e posteriormente na África do Sul.

Regressou ao Reino Unido em 1957 com uma nova determinação de ter sucesso, ingressando no teatro Old Vic de Londres ao lado de atores como Maggie Smith, Judi Dench e Tom Courtenay.

Ackland, que nasceu nos subúrbios de North Kensington, no oeste de Londres, a 29 de fevereiro de 1928, não gostava do "method acting", no qual os atores mergulham numa personagem.

“Gosto de pesquisar antes porque poupa na representação”, disse ele, acreditando que a credibilidade, acima de tudo, era a chave para conquistar o público.

Antes de filmar "O Siciliano", ele viveu com um mafioso idoso durante seis semanas numa pequena aldeia perto de Palermo, para lhe dar uma perspetiva da vida das famílias criminosas.

Quando as câmaras começaram a rodar, “tudo o que tive que fazer foi dizer os diálogos”, recordou.

A dor de Ackland pela morte do filho Paul de uma overdose aos 29 anos ajudou-o a retratar a do escritor CS Lewis ao perder a esposa no telefilme "Shadowlands" (1986).

Outros acontecimentos reais deram-lhe uma perspetiva sobre o seu trabalho, como quando um incêndio destruiu a casa da família e deixou Rosemary gravemente ferida ao saltar de uma janela para escapar.

“De repente, percebe-se o quão valioso é cada minuto da vida”, diria mais tarde.

O dedicado casal teve sete filhos e esteve junto durante 51 anos, até que Rosemary desenvolveu uma doença neurológica e faleceu em 2002.

Ackland, que apareceu na aclamada versão televisiva de “Tinker Tailor Soldier Spy” (1979), de John le Carré, reconheceu que alguns dos seus papéis eram melhores que outros.

Por exemplo, admitiu que só aceitou participar em "Bill e Ted no outro Mundo" por causa de uma aposta com a sua filha, e concordou em participar do vídeo dos Pet Shop Boys porque os seus filhos gostavam deles.

Com muito trabalho numa fase avançada da vida, retirou-se em 2014 e preferiu passar mais tempo com a sua grande família de 34 netos e 30 bisnetos.

Em 2020, procurou fornecer para das suas nove décadas de experiência a uma geração mais jovem que lutava com o medo e o desconhecido da pandemia da COVID-19 e do isolamento do confinamento.

“Cada década tem as suas surpresas, os seus desafios e as suas maravilhas”, entoou de forma tranquilizadora num vídeo a partir da sua casa, na aldeia piscatória de Clovelly, no norte de Devon, sudoeste de Inglaterra.

“Ao longo dos anos em tempos difíceis, tenho visto a adversidade gerar força, ligações e humor neste país. Já vi isso repetidas vezes e espero que vocês, os jovens, olhem para trás esta década e sejam capazes de dizer também o mesmo", dizia.