A Netflix recebeu finalmente a sua primeira demonstração verdadeira de legitimidade em Hollywood com "Roma", nomeado para o Óscar de Melhor Filme, mas a plataforma de streaming ainda está longe de ser aceite de forma unânime por um setor que continua a defender a indústria tradicional.

Além das 15 nomeações obtidas por filmes produzidos pela Netflix, na terça-feira a companhia tornou-se oficialmente membro da poderosa Associação Americana de Cinema (MPAA), um sinal importante da sua aceitação no meio.

Bem recebida nos festivais de Toronto e de Veneza, onde "Roma" recebeu o Leão de Ouro, a Netflix não é mais indesejável em Hollywood, embora a passadeira vermelha ainda não tenha sido estendida sob os seus pés.

Quando as nomeações para os Óscares foram anunciadas, na terça-feira, as cadeias de cinemas AMC e Regal, que são de longe as principais do mercado, deixaram claro que não transmitirão "Roma" no âmbito do seu tradicional programa especial sobre os Óscares, mantendo um boicote.

A AMC explicou que, como não pôde transmitir o filme quando este saiu porque a Netflix não quis manter o período tradicional de 90 dias exclusivo para as salas de cinema, decidiu que continuará a não exibi-lo agora.

Drama familiar de Alfonso Cuarón, filmado em preto e branco, sem celebridades, ambientado no México na década de 1970 e inspirado na sua própria família, "Roma" esteve em 900 salas de todo o mundo, mais do que qualquer outro filme produzido pela Netflix, embora o grupo ainda não tenha comunicado as receitas de bilheteira.

E a companhia fez muito mais do que levar "Roma" às salas de cinema para atender às exigências da indústria, tendo lançado uma campanha de marketing agressiva, com eventos, cartazes e anúncios nas redes tradicionais, segundo o site Fast Company.

Há já algum tempo que a plataforma limita a sua produção de séries e a cada dia que passa consolida mais o seu posicionamento para se tornar o terreno de jogo de cineastas exigentes como Cuarón, Martin Scorsese, Steven Soderbergh e os irmãos Coen, e inclusive, mais recentemente, como destino das estrelas de Hollywood.

Nesse contexto, segundo os resultados anuais anunciados pela Netflix, com resultados de audiência mais completos, o filme "Bird Box", protagonizado por Sandra Bullock, foi visto por 80 milhões de casas, 58% de seus assinantes.

"Um voto para 'Roma' é um voto para a Netflix"

Para ser aceite pelas instituições do cinema, a Netflix teve de fazer pequenos ajustes que não modificaram o seu modelo económico.

Neste sentido, por exemplo, só esperou três semanas após a sua estreia nos cinemas para disponibilizar "Roma" na sua plataforma, em comparação com os referidos 90 dias que as salas americanas impõem hoje aos estúdios.

Dentro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que entrega os Óscares, "há um contingente [de membros] que considera que um voto para 'Roma' é um voto para a Netflix", aponta Nicole Laporte, do site especializado Fast Company.

"Por outras palavras, um voto para uma empresa cujo modelo de streaming está a destruir a indústria tradicional do cinema", acrescenta.

"Eles não querem estar na indústria do cinema, mas na indústria da assinatura", afirma Aswath Damodaran, professor da Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova Iorque e autor de pesquisas sobre o modelo de negócios da plataforma.

Com exceção da Disney, que conta com alguns triunfos como as animações da Pixar, "Star Wars" e os super-heróis da Marvel, "o resto da indústria do cinema está a ser destruído", indica.

"A Netflix está a aumentar os orçamentos, os conteúdos e a tirar outros do negócio", acrescenta.

Segundo os analistas, a plataforma poderia gastar até 15 mil milhões de dólares com produções em 2019, mais do que todos os grandes estúdios de Hollywood juntos.

Aswath Damodaran diz estar "inquieto com o seu modelo económico, simplesmente pelo dinheiro que gastam em conteúdos".

O futuro do grupo não está em perigo, diz, mas os investidores poderão cansar-se de ver uma companhia crescer a esse ritmo sem gerar rendimentos.

"Os assinantes foram praticamente condicionados a esperar 100 filmes e séries novas por ano, não sei como vão poder parar isso", diz.