A adolescência, em particular a feminina, não é um lugar estranho para a realizadora de "As Virgens Suicidas" (1999), "Maria Antonieta" (2006) ou "Bling Ring - O Gangue de Hollywood" (2013). "Priscilla", o novo olhar de Sofia Coppola sobre a entrada de uma jovem na idade adulta, que se estreia esta quinta-feira nos cinemas, volta a traduzir a sensibilidade reconhecível (e reconhecida) da norte-americana nesses domínios, goste-se mais ou menos da sua oitava longa-metragem.

Dois anos depois de "Elvis", mergulho de Baz Luhrmann na vida do "rei do rock", filme opulento e garrido com mais de duas horas e meia de duração, o drama sobre a ex-mulher e mãe da filha do ícone de Graceland está nos seus antípodas: mais curto e contido, foge à narrativa rocambolesca, finta a banda sonora de "greatest hits" (pelo contrário, recorre a canções de outros artistas, algumas anacrónicas, uma marca da realizadora), concentra-se em cenas de interiores e passa boa parte do tempo no quarto da protagonista.

Priscilla
Cailee Spaeny em 'Priscilla'

"Estamos a tentar desmistificar este casal icónico e a ver quem são estas pessoas por trás das portas fechadas", aponta a atriz Cailee Spaeny ao SAPO Mag durante uma mesa-redonda por Zoom. "Acho que temos muita dificuldade em tirar figuras icónicas dos pedestais, mas é claro que têm os seus problemas e são seres humanos. E julgo que este filme diz muito sobre isso, é um conto de advertência sobre a fama e os seus efeitos secundários", acrescenta a norte-americana, que encarna Priscilla Beaulieu de forma tão credível aos 14 anos como na casa dos 30, quando já era a senhora Presley (desempenho que lhe valeu o prémio de melhor Atriz no Festival de Veneza).

Cenas da vida conjugal

"Tive mesmo de me retirar como fã [de Elvis] de longa data. Cresci com ele em casa e adoro a sua música. Mas acho que tudo isso teve de ser posto de lado, e tivemos mesmo de pegar neste filme como um drama de uma relação e despojá-lo", frisa a atriz sobre o retrato que se afasta de uma imagem idealizada do casal, para o melhor e para o pior, partindo do livro de memórias "Elvis and Me" (1985), escrito por Priscilla Presley, produtora executiva da adaptação.

"Uma coisa importante para ela foi assegurarmos que havia amor entre eles. E acho que quando se lê o guião ou se lê o livro, o que salta à vista é: 'Meu Deus, esta história faz-me sentir desconfortável. Ela passou por tanta dor, e é de partir o coração'. Mas acho que o que a torna complicada é o facto de também ter havido amor entre eles. E acabaram por ter uma filha juntos", recorda Spaeny.

Priscilla Presley launches new items at Elvis Exhibition in London
Priscilla Presley créditos: Lusa

"Quando ela fala dele hoje, fala com tanto carinho das memórias que tiveram juntos, e dessa altura em que ela passou por isso, e depois das piadas que tinham entre eles ou de como passavam as noites em Graceland e do que faziam, e também de coisas diferentes que a faziam sentir-se isolada. Ela não tinha muitos amigos. As mulheres que estavam em casa eram as mulheres dos amigos dele, mas ela nunca se sentiu capaz de se aproximar delas porque sabia coisas sobre o que se passava na estrada com os outros tipos e também nunca se sentiu capaz de se aproximar deles", assinala ainda.

Priscilla e Cailee (e Sofia)

"Não sabia nada sobre a história dela, o que foi muito interessante, porque cresci como uma grande fã de Elvis e fui a Graceland com a minha família. Elvis tem um peso muito grande. É realeza americana", confessa-nos Cailee Spaeny.

"Conhecia as fotografias icónicas do dia do casamento deles, mas não sabia nada sobre a história dela. Por isso foi tão emocionante nesta viagem, e ter Priscilla a fazer parte dela foi incrível. Foi uma experiência que levarei sempre comigo. Foi muito especial. Mas foi também o que tornou tudo tão difícil e enervante, tanta pressão para que tudo corresse bem, não só para o filme, mas para ela, para garantir que se sentia protegida e retratada com esta história. Mas o que realmente me impressionou nela foi o quão gentil e graciosa ela é, mas também ferozmente protetora da sua história e da sua família", nota.

Priscilla
Na rodagem de 'Priscilla'

"Para mim, foi aterrorizador começar a interpretar esta personagem. É a coisa mais difícil que já fiz", assume a atriz que já teve papéis em "Sete Estranhos no El Royale" (2018), "As Novas Feiticeiras" ou nas séries "Devs" (2020) e "Mare of Easttown" (2021), esta última na qual se destacou particularmente, como filha da personagem de Kate Winslet.

"Foi difícil porque filmámos em 30 dias, e completamente fora de ordem. Eu estava grávida de manhã e tinha 14 anos depois do almoço, por isso foi muito complicado tentar manter a cabeça no sítio e tentar perceber em que ponto da viagem me encontrava. Mas preparamo-nos o melhor possível. Tentamos perceber o que é que podemos fazer. Que coisas específicas posso fazer com os meus maneirismos e com o meu corpo que mostrem o alcance? Foi um desafio divertido, mas foi definitivamente um desafio", garante.

Por outro lado, em alguns aspetos, Spaeny nem está assim tão longe da sua personagem nem da mulher que a inspirou: "Por volta dos 14 anos, ambas sabíamos o que queríamos e decidimos muito jovens que íamos fazer tudo para conseguir essa vida. E acho que foi isso que ela fez. Conheceu Elvis e teria desistido de tudo para estar com essa pessoa que amava, e estava pronta para dar a sua vida inteira. Eu desisti da escola quando tinha 13 anos e comecei a dedicar-me à representação. E acho que se cresce muito depressa quando se faz uma coisa dessas. Penso que ela também teve de o fazer. Sempre lhe disseram que ela era uma alma velha, e eu também sempre percebi como é ser assim. Acho que é isso que a Sofia [Coppola] faz tão bem, nunca subestima as jovens mulheres nos seus filmes, e elas têm desejos e necessidades e anseios, lados obscuros e complicados. Foi muito libertador e interessante ver uma realizadora abordar o que é ser uma adolescente. E quando vi os filmes dela pela primeira vez, mais jovem, foi isso que me chamou a atenção".

Priscilla
Cailee Spaeny em 'Priscilla'

A atriz reforça que o apoio da realizadora e da sua equipa foi determinante. "Acho que somos tão fortes como as pessoas que nos rodeiam. Por isso, trabalhar com criativos que admiramos ou que nos entusiasmam é o melhor guia em que confio. A Sofia, em cada passo do caminho. Mas acho que ter os colaboradores que tivemos neste projeto foi uma experiência muito especial e isso é sempre um guia para mim. Enquanto fã da Sofia, acho que ela foi tudo o que eu poderia ter imaginado. Superou todas as minhas expectativas. Normalmente dizemos 'Não conheçam os vossos heróis', mas neste caso, ela foi acima e além de todas essas coisas", elogia.

Jacob Elordi, um cúmplice que ofereceu 110%

Ao lado de Cailee Spaeny, na pele de Elvis, está um dos jovens atores-sensação do momento. Jacob Elordi, já bem conhecido pela série "Euphoria" e com popularidade alavancada pelo filme "Saltburn", interpreta a estrela que se permite revelar um outro lado apenas num ambiente doméstico. E em exclusivo para a jovem mulher que guarda como uma princesinha num castelo, esbatendo a linha entre a proteção e a manipulação. Uma dinâmica muito diferente da que moldou o trabalho da atriz com o colega australiano, explica.

Priscilla
Cailee Spaeny e Jacob Elordi em 'Priscilla'

"Como sabia que tínhamos tão pouco tempo, era importante para mim contactar o Jacob para ver se ele estava disposto a encontrar-se connosco antes de começarmos a filmar. Muitas vezes, quando começamos no primeiro dia, encontramo-nos mesmo antes do primeiro take. 'Olá, como estás? Estamos a filmar. Aqui está ele'. Mas eles têm uma ligação tão profunda que quis ter tempo para o conhecer e sentir que confiava nele", conta-nos Spaeny.

"Fizemos isso e ele mostrou-se muito aberto, passámos algum tempo juntos e ele estava sempre disponível se eu precisasse de lhe telefonar e fazer perguntas sobre o guião ou se tivesse alguma preocupação, o que foi muito importante, porque temos de sentir que temos essa ligação e que passámos muitos anos juntos ao longo de um espaço de tempo tão curto. Fiquei muito contente por ele estar disposto a sair e a falar antes. Dou muito crédito ao Jacob por me ter dado 110%, quer ele estivesse a filmar ou não", enaltece.

Já sobre a forma como Elvis trata Priscilla no filme, a atriz diz esperar "que se perceba que ela não é uma vítima e que tem muito dentro de si, que é a razão pela qual tem de se libertar". Para Spaeny, a sua personagem "fala de forma muito suave e doce, e não tem muitas falas, mas essa é uma escolha deliberada", sublinha.

"Foi muito importante para mim contar esta história da forma que escolhemos contar. Mas penso que, apesar de tudo, ela é muito inteligente e sabia o que queria. Sabia o que estava errado, mas demorou algum tempo a encontrar a saída. Julgo que isso é algo universal para muitas pessoas, e especificamente para as mulheres. Estar apaixonada e querer esta vida e sentir que se está tão perto de ter tudo o que se poderia sonhar, mas saber que não há uma forma real de o conseguir enquanto se tenta perceber o que se faz com esse sentimento".

TRAILER DE "PRISCILLA":