A HISTÓRIA: Seis meses depois de ter embarcado numa missão de investigação solitária, o astronauta Jakub apercebe-se de que o casamento que deixou para trás pode não sobreviver até ao seu regresso à Terra. Desesperado para tentar corrigir as coisas com a sua esposa, Lenka, Jakub recebe a ajuda de uma criatura misteriosa dos primórdios do tempo que se esconde nas sombras da sua nave. Hanuš ajuda Jakub a tentar entender o que correu mal antes que seja demasiado tarde.

"O Astronauta": disponível na Netflix a partir de 1 de março.


Crítica: Francisco Quintas

Apesar de reciclados, dramas espaciais com vista a uma análise psicológica intimista de um curto número de personagens costuma dar bom resultado. Pense-se, nos últimos anos, num “Gravidade” (2013), de Alfonso Cuarón, ou um “Interstellar” (2014), de Christopher Nolan. De facto, a psique do indivíduo num profundo isolamento com pontas soltas pessoais ou familiares convida a um embarque nos confins perturbados do ser humano, que se atreve a descolar do solo em busca do desconhecido.

Mesmo que cada um destes filmes procure uma identidade própria dentro do género, convém reconhecer que nem todo o estilo autoral poderá funcionar. No caso de “O Astronauta”, novo original da Netflix, o fator de maior deceção é ter sido realizado pelo sueco Johan Renck, responsável por nada menos que a minissérie “Chernobyl” (2019), um dos melhores produtos da história da televisão.

Não se compreende como alguém com tamanha agilidade audiovisual, com claros conhecimentos de ritmo, montagem e mistura de som, decidiu contar uma história de modo tão vagaroso e redundante.

O primeiro ato evidencia um desenrolar lento e insuficiente para prender a atenção do espectador, que mais não vê do que um Adam Sandler a flutuar com uma cara de sono que perdura cenas adentro. Se a intenção tiver sido construir uma ação contemplativa, o próprio trabalho técnico poder-se-ia ter esmerado para proporcionar uma experiência menos passageira.

A fotografia de Jakob Ihre é, sem dúvida, o elemento mais ineficaz. Existe uma insistência enjoativa em filmar praticamente todas as cenas simulando uma câmara a passear pela ausência artificial de gravidade. Já quando o filme navega pelas memórias da personagem principal, recorre a uma estranha e ininterrupta distorção de imagem.

Felizmente, a música da autoria de Max Ritcher, compositor de “O Primeiro Encontro” (2016) e da série “The Leftovers”, vai ao encontro da melancolia que o realizador tanto se esforça em transmitir, associada à vastidão negra e silenciosa que aprisiona o protagonista.

Não apraz dizer, então, que o maior calcanhar de Aquiles de “O Astronauta” é uma história com personagens num contexto rudimentar. Sabemos que a relação deste casal, interpretado por Adam Sandler e Carey Mulligan, a milhões inestimáveis de quilómetros de distância, se encontrava em risco. Fora um acontecimento fraturante, não conhecemos o miolo desta união. O que os levou a se apaixonar é pouco convincente e o argumento de Colby Day ainda escolhe dedicar tempo a temas desviantes da história de amor, a mais importante.

É muito difícil encontrar um filme em que Mulligan não esteja bem. A atriz tem um grande poder em extrair rios de sumo de uma laranja que secara ao sol. Sandler, apesar de os seus dotes dramáticos terem ficado mais que provados no passado, apresenta-se inexpressivo, sem qualquer inspiração. Passa a sensação de estar a fazer um favor a alguém – ou a selar mais um ponto no seu contrato duradouro com a rainha do streaming.

O realizador tinha à sua disposição, ainda, a voz de Paul Dano para uma personagem central e escolheu, de novo, a monotonia e a repetição. Assim como um séquito de efeitos visuais de qualidade bastante oscilante.

Há que ser justo. “O Astronauta” é apenas a segunda longa-metragem de Johan Renck. Contudo, com uma carreira que ostenta imensos videoclips e três episódios de “Breaking Bad”, resta a pergunta: será que ficou pela metade a aposta em conceber um objeto artístico pouco convencional ou, pura e simplesmente, o projeto foi fruto de desleixo e falta de imaginação?

A resposta jaz na órbita de nuvens estelares e empoeiradas.