O Parlamento Europeu anunciou nsta quinta-feira que o cineasta ucraniano Oleg Sentsov, preso na Rússia, é o vencedor do prémio Sakharov dos direitos humanos em 2018.

Detido em 2014, "Oleg Sentsov tornou-se um símbolo da luta pela libertação dos presos políticos na Rússia e no mundo", afirmou o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, ao anunciar a concessão do prémio a este cineasta agora preso na Sibéria.

Sentsov sucede assim à "oposição democrática da Venezuela" como vencedor do prémio, que tem o nome do cientista soviético dissidente Andrei Sakharov e que, desde 1998, reconhece aqueles que apresentam uma contribuição excepcional à luta pelos direitos humanos.

Os líderes das bancadas parlamentares escolheram num encontro à porta fechada o nome do cineasta ucraniano, que superou outros dois candidatos: o ativista marroquino Nasser Zefzafi, também na prisão, e 11 ONGs que resgatam migrantes no Mediterrâneo.

Para o Partido Popular Europeu (PPE, direita), que apresentou a candidatura do cineasta, o prémio envia "um poderoso sinal para os presos políticos ucranianos".

"É um sinal claro contra a sua detenção ilegal", disse o eurodeputado liberal checo Pavel Telicka.

Oleg Sentsov, nascido na Crimeia há 42 anos, foi detido na sua casa em maio de 2014 e condenado em 2015 a 20 anos de prisão por "terrorismo" e "tráfico de armas", num julgamento considerado "estalinista" pela Amnistia Internacional.

Este pai de dois filhos iniciou uma greve de fome em maio para obter a libertação de todos os "presos políticos" ucranianos detidos na Rússia. Ele terminou o protesto 145 dias depois para evitar a alimentação à força.

Tajani, que elogiou a "coragem e determinação" do vencedor, pediu a sua libertação urgente pelo "seu estado de saúde após uma longa greve de fome".

A cerimónia oficial de entrega acontecerá a 12 de dezembro em Estrasburgo (França).

A situação do realizador demonstra a relação tensa entre Rússia e Ucrânia desde a anexação em 2014 da então península ucraniana da Crimeia por Moscovo e o posterior conflito armado com separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia, que deixou mais de 10.000 mortos.

Finalistas

Sentsov segue os pasos de Nelson Mandela em 1988, o primeiro vencedor do prémio com 20.000 euros, da paquistanesa Malala Yousafzai (2013) ou da yazidi Nadia Murad (2016). Anos depois estas três pessoas receberam o prémio Nobel da Paz.

Entre as candidaturas finalistas estava a de 11 ONGs que resgatam migrantes no Mediterrâneo, proposta por social-democratas e verdes, que pretendiam recompensar os esforços humanitários onde os governos nacionais são relutantes em atuar.

O prémio para as ONGs teria representado um duro revés para alguns governos nacionais da UE, como o da Itália, que em 2018 proibiu o desembarque de navios com migrantes a bordo.

Tal como Sentsov, Nasser Zefzafi também está preso. O líder do movimento de protesto social conhecido como "Hirak" em Marrocos foi condenado a 20 anos de prisão por "conspiração contra a segurança do Estado".

Oleg Sentsov, cineasta e símbolo da oposição ucraniana à Rússia

Após a greve de fome de 145 dias, Oleg Sentsov tornou-se um símbolo da oposição ucraniana à Rússia.

Era um promissor cineasta ucraniano até que o seu ativismo político na revolução de Maidan em 2014 e depois a anexação da Crimeia pela Rússia, no mesmo ano, mudaram o seu destino.

Após o julgamente e greve de fome, o Kremlin não mudou de posição, apesar do apoio internacional ao realizador, das discussões entre os presidentes russo e ucraniano sobre uma possível troca de prisioneiros e de uma ligação da mãe de Sentsov para Vladimir Putin.

Após o fim da greve a 5 de outubro, a sua prima Natalia Kaplan afirmou que a saúde de Sentsov foi "gravemente afetada" no longo período em que dependia dos suplementos alimentares e  vitaminas das autoridades prisionais.

Apesar do problemas no fígado, coração e cérebro, a libertação de Sentsov parece agora mais distante do que nunca. Este afirma que não deseja pedir um indulto.

Como cineasta, Sentsov é conhecido sobretudo por "Gamer", um filme rodado com orçamento de apenas 20.000 dólares que conta a história de um adolescente que participa em competições de jogos eletrónicos e tem uma complicação na Ucrânia.

O filme é autobiográfico, pois Sentsov passou oito anos competindo em torneios do mesmo tipo e financiou a longa-metragem ao gerir uma sala de jogos em Simferopol, capital da Crimeia.

A obra, premiada em Roterdão em 2012, foi exibida em muitos festivais e permitiu a produção de "Rhino".

Mas este segundo projeto foi interrompido quando o cineasta, que tem dois filhos, decidiu unir-se aos protestos pró-Europa na Ucrânia que provocaram a destituição do presidente pró-Rússia Víktor Yanukovich em fevereiro de 2014.

"Oleg e os seus colegas organizavam eventos na Crimeia. com símbolos e bandeiras ucranianas. Continuaram fazendo durante a anexação, quando todos já tinham ido embora", disse em 2015 à AFP Kostiantyn Reoutski, ativista ucraniano que conheceu o realizador na época.

"O seu objetivo era demonstrar que a Crimeia não era 100% pró-Rússia".

Dois meses depois da anexação russa da Crimeia, na madrugada de 11 de maio de 2014, Sentsov foi detido. Em seguida foi levado para a prisão de segurança máxima de Lefortovo, em Moscovo, onde ficou até o início do seu julgamento em Rostov, sudoeste da Rússia.

Durante o julgamento, o cineasta manteve a postura de desafio, apesar das acusações de que teria provocado incêndios criminosos contra sedes do partido ucraniano pró-Kremlin e de ter planeado ataques, um deles contra uma estátua de Lenine em Simferopol.

"Não é um suicida, quer e espera viver. Faz-me pensar num doente com cancro convencido de que vencerá o tumor e viverá", disse à AFP a jornalista e ativista dos direitos humanos Zoya Svetova depois de visitar o cineasta na prisão em agosto.