“O que está a acontecer no Brasil não acontece só ali. É prova de que as pessoas que são donas e controlam o mundo não o merecem e não o fazem no interesse do planeta, mas por interesse próprio, da oligarquia e dos 0,01%. Não lhes importa o que acontece ao planeta, aos pobres ou imigrantes”, sublinhou o Tom Morello, em entrevista à Lusa, relativamente aos recentes incêndios na selva da Amazónia.

O músico acrescentou ainda que esse poder precisa de ser dado “às pessoas” para que elas o possam gerir de acordo com o seu interesse, que é “o interesse do planeta e dos que moram nele”, acompanhado pelo baterista Brad Wilk, com quem já tinha fundado os icónicos Rage Against the Machine (RATM).

“Estão a queimar a floresta tropical para plantar campos de feijão, de forma a alimentar as vacas, para alimentar os humanos. Vou repetir: estamos a deixar arder os pulmões da terra, para plantar feijões, para dar de comer bifes aos humanos. Isso é uma enorme componente da destruição da floresta tropical, é muito assustador”, descreveu Wilk.

Formados em 2016, o supergrupo Prophets of Rage vai buscar muita da irreverência política às anteriores bandas dos seus elementos que, além de RATM, inclui ainda Public Enemy e Cypress Hill, uma junção de músicos de bandas consagradas nos anos 90 que mantém o mesmo espírito, mas com uma maior urgência na tentativa de passar a sua mensagem.

“Nós [RATM] fizemos essas canções politicas raivosas durante a era do Bill Clinton, havia muito com que estar furioso. Mas agora estamos num ponto fulcral perigoso. Enquanto o racismo, o sentimento anti-imigração e os problemas económicos são muito importantes, o próprio planeta está em perigo, por causa do capitalismo predatório”, alertou Morello.

Ainda assim, o norte-americano vincou que a responsabilidade não é só dos “conservadores, republicanos ou da extrema-direita”, porque nos últimos 25 anos o seu país tem tido líderes como Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama ou Donald Trump que se “envolveram com [a bolsa de] Wall Street” e as políticas que essa indústria tem “contra o ambiente".

“Isso alienou muitas pessoas brancas da classe trabalhadora no Brasil, Europa ou Estados Unidos e criou um terreno fértil para que demagogos racistas de extrema direita possam atirar as culpas para outro lado. Dizem que o planeta está doido, a culpa é dos mexicanos, dos imigrantes, ou dos muçulmanos e elegem essas pessoas”, opinou.

Prosseguiu o pensamento, acrescentando que essas pessoas que são eleitas graças ao racismo usam a sua posição para enriquecer os 0,01% da população mundial com “políticas que destroem o mundo” e vincou que toda a gente tem um papel a cumprir para evitar essas desigualdades.

“Nós somos uma banda de ‘rock & roll’, vamos lá para fora dar um concerto que, a correr bem, pode alimentar ou acender uma luz para que as pessoas saibam que são agentes da História e as coisas vão mudar só quando eles as mudarem”, disse.

Sobre a visão atual do contexto político mundial e americano, Brad Wilk sublinhou que os jovens “estão a votar mais e querem mudar o planeta mais do que em qualquer outra altura da História”, concedendo a derrota da sua geração e deixando um apelo forte à vindoura.

“[Essa mudança] vai recair sobre eles, porque não vai acontecer a partir do topo. Temos de investir e cabe aos miúdos deste mundo consertar (...) isto tudo. É (...) triste, mas eles vão ser obrigados a isso”, lamentou.

Questionado sobre o paralelismo entre o contexto político dos anos 90 em que os RATM surgiram e o atual, Tom Morello vê alguma esperança no futuro e há boas notícias, “até porque as ideias de desigualdade económica enquanto assunto, já existem”.

“A ideia do racismo, o sentimento anti-imigrante, a desigualdade económica e a potencial destruição ambiental são assuntos que, pelo menos, estão na cabeça das pessoas, agora têm de ir para as ruas e fazer algo relativamente a isso. No outro dia estiveram 1,7 milhões de pessoas nas ruas de Hong Kong por causa da situação política. Precisamos de 2,7 milhões nas ruas de Washington e nas ruas de Lisboa. Vamos, toda a gente!”, apelou.

Os Prophets of Rage atuaram hoje no último dia do festival Vilar de Mouros, que levou cerca de 46 mil pessoas à vila nortenha durante os três dias de atuações de bandas como os The Cult, Manic Street Preachers, The Offspring, Skunk Anansie ou Gogol Bordello.