O que terá em comum a música dos Ramones, Akon, The Cars, Blink-182 ou Veruca Salt? Para Colleen Green, foi parte da amálgama que inspirou a aventura na escrita, interpretação e produção de uma obra curta e recente, mas a mostrar sensibilidade ao resgatar o rock alternativo da escola 90s (e aí percebe-se a influência das Veruca Salt) aliando-o a power pop com viragens punk (The Cars a meio caminho entre os Ramones e os Blink-182 até é um cenário aproximável, mais do que qualquer lembrança de Akon).

"Milo Goes to Compton" (2011) e "Sock It To Me" (2013) seguiram os modelos do "faça você mesmo" através de canções lo-fi que, apesar da produção rudimentar (ou talvez também por causa dela), revelaram uma voz com habilidade para desenhar retratos curiosos do quotidiano (cujo misto despretensioso de inocência e sarcasmo suscitou comparações aos mais celebrados Best Coast, vizinhos da californiana).

Em "I Want to Grow Up", Colleen está mais acompanhada, uma vez que o disco foi gravado com Casey Weissbuch (dos Diarrhea Planet) e Jake Orrall (dos JEFF The Brotherhood) num estúdio em Nashville, uma estreia depois do quarto e garagens de Los Angeles, locais improvisados dos antecessores. Curiosamente, é o disco em que a cantora, agora chegada aos 30 anos, mais se confronta com a solidão - às vezes com uma crueza inesperada tendo em conta o apelo melódico destes refrãos.

Do trabalho de grupo resultou um som mais polido e encorpado, com o minimalismo e "impurezas" habituais nos álbuns e EPs anteriores a constituírem a exceção e não a regra. Felizmente, o upgrade técnico não anulou a personalidade da cantautora. Trouxe até outra consistência a um alinhamento que, agora sim, traduz melhor uma identidade de álbum em vez de uma coleção de apontamentos soltos. Colleen admite ter dado especial atenção à sequência das faixas e, de facto, parece haver agora um trajeto definido e percorrido ao longo destas dez canções.

Confissões de adolescente

Sem ser um álbum conceptual assumido, "I Want to Grow Up" tem um princípio, meio e fim bem demarcados ao delinear a aprendizagem emocional da sua autora. "I'm so sick of being self-absorbed", ouvimo-la admitir na faixa título, a primeira do disco. O tom confessional mantém-se nos temas seguintes, mas qualquer desconfiança de um mergulho numa auto-comiseração aflitiva é enxotada pela energia que embala as palavras. Mais do que a influência assumida das Veruca Salt, esta união de riffs contagiantes e harmonias vocais a condizer lembram a também muito anos 90 Juliana Hatfield (entretanto regressada em boa forma) ou os recentes Speedy Ortiz, outros que não destoariam na MTV dos dias de "Alternative Nation".

Se a comparação pode sugerir uma coleção de clichés nostálgicos, então a frescura com que "I Want to Grow Up" recupera a fórmula tem ainda mais mérito. Até porque o disco arranca com uma muito simpática revisitação mas a meio deriva para cenários mais ambiciosos e surpreendentes. À semelhança da faixa título, "Pay Attention" e "TV" são disparos de adrenalina que fazem mira aos tormentos da pressão social. "I can't hold a conversation", diz Colleen na primeira, frustração que a leva a refugiar-se na televisão, porto de abrigo homenageado na segunda ("I don’t have to worry about being fun").

Em "Wild Ones", a cantora dá alguma razão às comparações mais ou menos habituais aos Best Coast, numa vénia ao surf rock e aos ensinamentos dos girl groups dos anos 50. A fragilidade, ligeireza e inocência de momentos como esse, centradas num rapaz mal comportado, tornam a reflexão existencial de "Deeper Than Love" ainda mais arrepiante. Em vez dos cerca de três minutos das restantes, a canção arrisca o dobro da duração no momento alto do disco (e da discografia, aliás, daqueles para recordar sem hesitar no final do ano), decisivo para que este se eleve a outro patamar. As guitarras dão espaço aos sintetizadores, a atmosfera deve mais à new wave do que ao indie rock, o entusiasmo cede à gravidade dos sussurros de frases certeiras ("'Cause I'm shitty and I'm lame and I'm dumb and I'm a bore / And once you get to know me you don't love me anymore"). E assim "I Want to Grow Up" mergulha de cabeça no terror da intimidade, com um conflito entre razão e emoção levado ao extremo ("It's the closeness in intimacy / I'm afraid it might kill me"). A força do retrato é tanta que Colleen chegou a hesitar na altura de incluir a canção no disco, sobretudo pelo receio da reação dos pais. "Mas mostrei-a algumas pessoas e quiseram continuar a ser minhas amigas, por isso achei que não haveria problema", contou numa entrevista ao Stereogum.

O momento de descompressão chega com um dos episódios mais otimistas, "Things That Are Bad for Me (Part I)". De volta à power pop, a californiana tenta fintar a ansiedade, abandonar os maus hábitos e entrar nos eixos ("Wanna rid myself of toxicity / Too much of the same routine and I give in to insecurity (...) I gotta stop doing things that are bad for me / I’m thinking maybe I could change my body’s destiny"). A tentativa pode ser admirável, mas não dura muito. E a forma abrupta como é interrompida deixa um dos pormenores de génio do disco, com desespero e humor negro q.b., quando não há espaço para intervalos na entrada de "Things That Are Bad for Me (Part II)". Depois da luz, as sombras, mais uma vez - aqui bem austeras, com uma espiral de neurose e tentações de auto-destruição ("I want to do drugs right now / I want to get fucked up, I don’t care how"). A ansiedade das palavras é acompanhada pelos acordes mais agrestes do alinhamento, com direito a vertigem grunge, na fronteira do hard rock, a comprovar que o estúdio e os músicos foram boa ideia.

A reta final de "I Want to Grow Up" não volta a atingir esta intensidade, mas ainda é capaz de mais algumas viragens. "Some People" é ingenuidade twee que vai ganhando corpo e peso, com remate à guitarra na linha dos saudosos Lush (fase "Lovelife" em geral e o single "500" em particular). Já o arranque frenético de "Grind My Teeth" é um sério convite ao mosh, tão inesperado como a mudança de velocidade para um ritmo planante de bonitos teclados. Mais bonito, só mesmo o final com "Whatever I Want", canção adorável e merecido desfecho esperançoso para a viagem interior. É o final feliz possível, com Colleen Green a tentar tomar as rédeas ("The world I live in's a design of my own") e a fazer-nos torcer por ela. Como não, depois de um disco com tanto carisma?

@Gonçalo Sá

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