“Nós, brasileiros, poderíamos aproveitar essa ligação do idioma para conhecer mais a música africana dos países lusófonos, a cultura, as danças. Eu acho que é um ponto que a gente deveria enfatizar: o intercâmbio cultural com os países lusófonos, não só com Portugal”, acrescenta.

Em Portugal para alguns espetáculos e para promover “Antídoto Pra Todo Tipo de Veneno”, o seu primeiro álbum de originais em mais de 10 anos, Gabriel o Pensador lamenta que o Brasil desconheça, por exemplo, a cabo-verdiana Cesária Évora.

“O Brasil podia também consumir mais música e mais cultura dos países lusófonos. E não só Portugal. Tem muita coisa boa, não só na área do Hip-Hop, do ‘rap’ e da dança. Olha, Cesária Évora, o brasileiro não conhece bem, sabe? A maioria dos brasileiros não conhece, por exemplo”, afirma.

Gabriel O Pensador acha que o brasileiro é “um pouco fechado, que consome mais do que o que é daquela moda, daquele momento. O tipo musical que está em voga e poderia ser mais antenado, como é o português”.

Apesar da base histórica da ligação entre Portugal e Brasil, persiste nos brasileiros um défice de conhecimento da cultura portuguesa, reconhece.

“É verdade, eu sempre notei isso que aqui a gente tem música brasileira, novelas, filmes, e lá não. O brasileiro pouco conhece da música portuguesa e dos artistas portugueses, e literatura também literatura. Então porque o brasileiro tem lido cada vez menos e a literatura seria um bom exemplo, Porque aí a gente deveria aproveitar mais do que aproveita do que é produzido na nossa língua, que é a mesma língua”, defende.

Embora persista esse défice de conhecimento da cultura portuguesa, os brasileiros continuam a privilegiar Portugal quando chega a hora de emigrar.

“O brasileiro está num momento de migração. Depois da pandemia, acho que aumentou mais ainda. Mas, uma das questões importantes do mundo é os países ricos que não sabem bem como lidar… Portugal ainda está livre dessas questões mais graves por isso. Mas tem países que estão recebendo tantos imigrantes, refugiados, pessoas em situação muito difícil, mais difícil ainda do que a dos brasileiros. É uma questão séria do mundo de hoje”, declara.

“Como lidar com isso? Todo mundo está buscando o seu espaço, as suas saídas e, às vezes, a saída mesmo, literalmente, é sair da sua terra natal”, acrescenta.

Gabriel O Pensador evoca “Brasa”, de “Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre o Mesmo)”, álbum de 2001, em que participa o também músico brasileiro Lenine.

“Essa música fala do brasileiro que decide morar fora. Não é uma decisão fácil aí no momento. Aquele personagem, na música, está sentindo saudade das coisas típicas do seu país, as lembranças que eu vou descrevendo na letra. E depois ele volta e sente vergonha das coisas que não mudaram, nas coisas ruins, que não mudaram”, recorda.

“Então a gente ama o país, mas tem tanta coisa que gostaria que fosse diferente. E às vezes, alguns preferem começar uma nova vida noutro lugar”, reconhece.

Brasil "precisa de políticos sérios"

Entrevista ao músico Gabriel o Pensador

O Brasil “tem problemas crónicos que não podem ser resolvidos por um governo só num prazo curto de um mandato” e para os resolver “precisa de políticos sérios”, defende o ‘rapper’ brasileiro.

“Eu acredito no Brasil. O Brasil tem problemas crónicos que não podem ser resolvidos por um governo só num prazo curto de um mandato, então precisa de políticos sérios, não só na Presidência, mas no Senado, na Câmara dos Deputados, em cada prefeitura, em cada governo de Estado. O problema é grave”, considera.

Em Portugal para alguns espetáculos e para promover “Antídoto Pra Todo Tipo de Veneno”, o seu primeiro álbum de originais em mais de 10 anos, Gabriel o Pensador diz que está hora da mudança.

“Vamos mudar agora. Conseguimos mudar esse ou aquele político. E é a esperança voltar totalmente. Mas sim, eu acredito que com a contribuição dos cidadãos, é isso que eu acho. Eu tento incentivar as pessoas a saberem que o seu papel também no dia-a-dia, não só nas eleições, é importante. E assim a gente pode acreditar num Brasil que vai progredir”, acrescenta.

O Brasil, sublinha, atravessou tempos que deixaram pelo caminho muitas coisas importantes.

“A questão ambiental, a questão dos indígenas. A educação, cultura, tantas e tantas áreas que foram negligenciadas e a gente precisa retomar. Mas isso também é parte de cada um de nós, não só de fazer a sua parte, mas de cobrar. Não só aplaudir o seu candidato que foi eleito, mas cobrar de todos eles, sempre em tempo integral, cobrar, acompanhar e se informar”, vinca.

Gabriel O Pensador reconhece a dificuldade, particularmente de uma parte dos brasileiros, no acesso à informação e acha que a Humanidade “está com preguiça de se aprofundar na informação”, não se abre “para buscar a informação oposta ou a contradição”.

“O problema também é que a gente deixa tudo como se as mudanças viessem só por parte dos políticos e não da nossa parte. Eu acho que o mundo muda na mudança da mente, como eu falo na música: ‘a gente muda o mundo na mudança da mente, quando a gente muda, quando a mente muda, a gente anda pra frente. Quando a gente manda, ninguém manda na gente’”, recita.

No fundo, o Brasil “precisa da higienização mental”.

“Mesmo depois de tanta guerra política entre os cidadãos comuns manipulados por políticos, que a gente já deveria saber que no Brasil a cultura dos partidos, da forma como é trabalhada a luta por votos, a gente já deveria ter um pé atrás em relação à classe política em geral”, declara.

O resultado conduz à divisão, na qual as pessoas “preferem ter razão numa briga ideológica, num combate vazio, do que entender melhor as coisas e se proteger em conjunto”, resume.

“Eu acho que somos os cidadãos que pagam seus impostos, que têm os seus direitos muitas vezes negados e são covardemente abusados pelos governantes há décadas. E do outro lado estão eles (políticos), que quando é necessário fazem alianças. Eles se protegem, se defendem. Têm lados diferentes, posições diferentes. Nem todos são da mesma laia. Mas eu acho que nós deveríamos aprender a ter mesmo um pé atrás e a buscar um caminho de entendimento”, continua.

Passadas as eleições, que levaram Lula da Silva novamente à Presidência e apearam Jair Bolsonaro do poder, Gabriel O Pensador afirma que “ainda tem resquícios de fanatismo político que a gente pode limpar um pouco mais”.

Música "é antídoto para sensação de não pertencimento"

Nova versão de “Sodade” vais ser gravada pelo rapper Gabriel O Pensador

Gabriel O Pensador considera, em entrevista à agência Lusa, que a música na sua vida “é um antídoto para uma sensação de não pertencimento, de inadequação” que tinha desde a adolescência.

“Acho que a função da música na minha vida é um antídoto para uma sensação de não pertencimento, de inadequação que eu tinha desde adolescente e também da vontade de transformar, da vontade de reverter o que é ruim, o que é nocivo, o que sufoca, o que reprime, o que envenena em sementes de coisas boas, de evolução, de conhecimento, de entendimento, de superação”, disse.

“Eu estou feliz com esse trabalho e agora é levar pra nova turnê com as músicas novas e encaixar no repertório, que já tem muitas músicas importantes e fazer caber nos shows”, explica.

Em “Antídoto Pra Todo Tipo de Veneno” uma das músicas, “Liberdade”, que tem como convidado Armandinho, Gabriel O Pensador “fala na busca de caminhos de amadurecimento”.

“Essa música tem um momento em que eu falo que: ‘é alucinadamente consciente do poder da minha mente de poder ser diferente. Não me deixo escravizar, já rodei pelo mundão pra saber que ele é pequeno e cada sonho é sagrado, é infinito. Tem um antídoto para todo tipo de veneno, defendendo e dividindo a fé naquilo em que acredito’”, recita.

“Achei que essa frase resume bem o que eu acho que é a música, o que é a liberdade de expressão, o que é a poesia, que ela pode servir como antídoto, porque nós mesmos somos traídos por armadilhas da nossa mente, da nossa alma, nosso espírito, quando a gente foca mais no que é negativo, no que nos puxa para trás, que nos envenena e o mundo é o que mais tem pra nós, é isso. Se a gente não souber buscar, virar a página, dar um passo, sair e sair desse lugar, a gente fica preso nisso”, acrescenta.

Neste seu trabalho de originais, Gabriel O Pensador aborda questões como a depressão, a ansiedade e o suicídio.

“Isso aumentou na Humanidade. Isso é um assunto sério. E a gente não precisa ser artista pra viver esses questionamentos, de buscar e buscar a transformação, de buscar a inspiração para viver. Essa é pra todo mundo”, proclama.

Forte crítico da inteligência artificial, o ’rapper’ considera-a como “contribuindo para uma estupidez natural cada vez maior”.

“As gerações têm que se habituar com as novas tecnologias, com novas ferramentas, mas as questões essenciais ainda estão lá. A questão do respeito ao próximo, a questão do que é a felicidade, o que a gente pode deixar aqui de bom nessa passagem por essa existência. As questões básicas eu acho que não mudaram tanto. É só que elas ficam mais poluídas. E o mundo da imagem é o mundo da falsa felicidade, do falso, do ‘status’, do sucesso, da alegria, da vida”, adianta.

“As pessoas paravam para questionar o bem ou o mal de uma forma mais profunda, não maniqueísta, não idiota como hoje. É tudo levado para o simples, para o óbvio. E tem coisas que não são óbvias, tem coisas que precisam ser aprofundadas e a gente está perdendo isso. Está perdendo isso”, reforça.