Mind da Gap – Aconteceu. Os Mind da Gap nunca tiveram, na verdade, um ritmo muito grande de lançar discos. Normalmente, as bandas lançam discos de ano em ano, ou de dois em dois anos. Nós chegamos a estender esse período para três, quatro anos. Nunca nos obrigámos a fazer discos. Nunca lançámos discos apenas porque tinha que ser. Preferimos deixar as coisas acontecer.

PP – Isentos, então, de obrigações contratuais, o que motivou o lançamento de “Essência” em Abril de2010?

MdG – Única e exclusivamente, a nossa vontade. Chegámos a um ponto em que sentimos, simultaneamente, a chamada «pica» de ir para estúdio, a pica de estarmos juntos novamente, de fazer música, escrever instrumentais, escolher temas, fazer letras. Quando começou a ser muito coincidente entre os três membros a vontade de fazer um novo disco, começámos, efectivamente, a fazê-lo.

PP – É um álbum de ruptura ou de continuação relativamente aos trabalhos anteriores?

MdG – Se, de certa forma, é uma ruptura em relação à maneira como fizemos o “Edição Ilimitada”, acho que acaba por ser uma continuação das coisas que o antecedem. Daí o disco chamar-se “Essência” – porque apercebemo-nos, a certa altura, que a maneira como estávamos a fazer as músicas e a forma que estas estavam a adquirir era muito «Mind da Gap à antiga». No fundo, estávamos a desenhar um retorno às nossas origens do «puro e duro», dos temas sem enfeites, sem artifícios, dos temas fortes. Estávamos a dar um passo atrás para então avançarmos. O “A Essência” é, portanto, uma continuação daquilo que está para trás, mas uma ruptura em relação ao “Edição Ilimitada”, que é, entre todos os nossos discos, o álbum que nos fica, digamos, menos bem. Não temos vergonha de nada do que fizemos, é tudo Mind da Gap, mas Mind da Gap em épocas diferentes.A verdade é que agora, passado este tempo, olhamos para trás e vemos que em “Edição Ilimitada” tentámos fazer coisas de mais, coisas que não nos competiam.

PP – Entre toda a vossa discografia, é “ A Essência” o álbum que mais bem vos caracteriza?

MdG – Para nós, o último disco, o disco que acabámos de fazer, é sempre o melhor, o que acaba por nos identificarmelhor. Mas sim, independentemente dessa tendência,este é o disco que melhor nos identifica. É o disco que dá uma definição melhor de Mind da Gap.

PP – Pode ser considerado um álbum introspectivo?

MdG – Tem os seus momentos. Tem as suas músicas introspectivas. Tem outras que nem por isso…

PP – Qual a importância do hip hop interventivo neste álbum? Continua a ser um dos vossos grandes objectivos intervir através da música?

MdG – É imensa a importância do hip hop interventivo neste álbum. Se continua a ser um objectivo nosso intervir através da música? Não lhe chamaria objectivo. Nós fazêmo-lo porque nos dá gozo, porque gostamos, porque sentimos uma obrigação pessoal. Não o encaramos como um objectivo. Eu coloco o objectivo noutro patamar. Considerar isso um objectivo implicaria partirmos do princípio de que as pessoas nos ouvem, nos percebem, nos levam a sério. E eu não sei se as pessoas nos percebem, quanto mais, se nos levam a sério.

PP – Por que escolheram para single de avanço, precisamente, a música escondida? Ou por que esconderam, precisamente, o single de avanço?

MdG Abre os Olhos foi, se não me engano, a última música que fizemos. E, normalmente, as últimas músicas que fazemos – não sei se acontece o mesmo com o resto dos músicos – são aquelas que surgem de forma mais natural, mais espontânea. O que aconteceu foi que, depois de olharmos para o que tínhamos feito, depois de ouvirmos o «monstro» que tínhamos criado, percebemos que a música tinha muito pouco a ver com o resto do disco – que, a nosso ver, é um disco coeso, que soa como um bolo.A temática da cançãoaté se enquadrava no álbum, mas o instrumental saía um bocado fora do baralho. Daí a termos escondido. Contudo, Abre os Olhos não deixava de ser uma música «moderninha», apetecível, muito em sintonia com que se estava a fazer na América. Então optámos por lançá-la como primeiro single. Seria o nosso single de avanço, porém, iria aparecer escondida.Teria piada pregar uma partida ao ouvinte, baralhá-lo, pensámos. É engraçado porque a música está tão escondida, que a maior parte das pessoas nos pergunta por que não pusemos o Abre os Olhos no álbum.

PP – Foram influenciados, nesta vossa decisão, pela editora responsável pelo lançamento do álbum, dado que, cada vez mais, os singles radiofónicos assumem uma formatação cada vez mais padronizada?

MdG – Não, este disco não tem sugestões absolutamente nenhumas, pois gravámos o disco sem editora. Estávamos, aquando do processo de gravação,em processo de saída da Norte Sul, por isso não recebemos quaisquer sugestões de lá. Da Meifumado também não, até porque, aquando da gravação do álbum, eles ainda nem sequer sabiam que tencionávamos contactá-los. Foi a primeira vez, desde há muitos anos para cá, que fizemos um disco sem quaisquer sugestões ou pressões.

PP – Sentiram,nos trabalhos anteriores, algum tipo de condicionamento, devido ao facto de estarem agregados a uma editora, aquando da gravação do álbum?

MdG – Sim, esse condicionamento existe, acontece, o que não quer dizer que tenhamos cedido a esse tipo de pressões muitas vezes. Mas, de facto, logo após a edição do “Sem Cerimónias”, depois de termos mostrado à editora que conseguíamos fazer músicas como a Dedicatória, a editora começou a querer uma Dedicatória em todos os discos. O mesmo aconteceu com o Bazamos ou Ficamos. Não lhes fizemos a vontade, claro está, mas que nos chateavam, sim, chateavam. “Onde está o Bazamos ou Ficamos? Onde está a Dedicatória?”, perguntavam. “Isso já está no outro disco”, respondíamos.

PP – Agora, que já experimentaram as duas situações de gravação, qual delas vos parece mais vantajosa?

MdG – Talvez seja mais justo responder a essa questão daqui a uns tempos, quando perceber que tipo de promoção e divulgação conseguimos alcançar com este álbum. Mas, para já, estou contente. A Norte Sul lembrava-se, de vez em quando, de nos querer ensinar a fazer música. E tal coisa não podemos admitir. Mesmo sem nos dizerem nada, a pressão estava lá. Tínhamos, a todo o momento,de mostrar queéramos capazes de fazer uma música, «digna» de passar na rádio, uma música que fomentasse a venda do álbum. Quando trabalhas com uma editora, é inevitável: a pressão está lá, mesmo que inconscientemente. Fazer um disco sem estar agregado a uma editora liberta-nos dessa pressão. Por aí, é uma vantagem gigante.

PP – Contam, neste álbum, com as colaborações do Valete e do Maze. São as colaborações essenciais, hoje em dia, para o sucesso de um disco?

MdG – Nós temos 17 anos de carreira. Já lançámos cinco álbuns. Temos muitas vezes, por isso, a sensação que já falámos sobre tudo, que já dissemos tudo o que havia para dizer, que as pessoas já estão cansadas de ouvir a nossa voz, de ouvir aquilo que temos para dizer. As participações vêm, de certa forma, minorar essa sensação e dar uma injecção de ar fresco e de diferença àquilo que fazemos. Nesse ponto, acho as colaborações essenciais. Para além disso, as participações servem, igualmente, para mostrar que as pessoas fazem «grandes filmes», no que respeita as relações entre os rappers. É muito vulgar no hip hop as pessoas terem ideia que este rapper não gosta daquele ou vice versa, quando, na realidade, tal não se verifica. O Valete, por exemplo, sempre foi apontado como nosso rival – uma dedução falsa, dado que ele sempre nos apoiou e se mostrou apreciador do nosso trabalho. De qualquer das formas, não fazemos estas participações por obrigação, porque nos fica bem, mas, acima de tudo, porque há músicas que aspedem. A gente ouve-as pedir: “Telefona ao Maze, telefona ao Maze…”.

PP – Realizaram, no fim-de-semana passado, na Casa da Música, o concerto de apresentação do novo disco – um concerto que, apesar de ser de apresentação de um novo disco, ficou marcado pelo regresso a váriosêxitos antigos…

MdG – Não nos limitámos a apresentar o novo disco. Na verdade, não conseguimos, sequer, para nossa infelicidade, apresentá-lo na íntegra. É que isto de ser músico em Portugal, nomeadamente rapper, não é uma coisa que, actualmente, nos permita sobreviver. Já foi assim, mas nos dias que correm já não o é. Actualmente, temos todos trabalhos paralelos e, por causa disso, não tivemos tempo para nos juntar e ensaiar os novos temas, como gostaríamos de ter tido. Num concerto de apresentação teria tido muito mais lógica tocar todas as músicas do álbum e apenas depois, caso houvesse oportunidade e vontade por parte do público, tocar os temas mais antigos. Mas não pôde ser assim. A necessidade de dar um bom espectáculo falou mais alto do que a necessidade de apresentar todos os temas de “A Essência”. De qualquer das formas, um concerto dos Mind da Gap também não seria possível sem os clássicos, como Todos Gordos ou Dedicatória.

PP – Partilharam as atenções com Gill Scott-Heron. Era uma vontade vossa actuar no mesmo palco deste grande nome da música?

MdG – Não posso dizer que era uma vontade nossa, porque nunca, nanossa cabeça, tínhamos pensado em partilhar o palco com o Gill Scott-Heron. Senos perguntassem com quem gostaríamos de partilhar um palco, nunca teríamos referido o seu nome. Mas ainda bem que a Casa da Música teve essa feliz ideia, porque, na verdade, é um músico de referência para nós.

PP – Com quem gostariam, então, de partilhar o palco?

MdG – Stevie Wonder, sem dúvida. Stevie Wonder, para nós, é Deus na terra.

PP – Hoje em dia, alguns ditam o fim do hip hop. Outros, como vocês, apostam na sua continuidade. Afinal, como está, hoje em dia, o investimento editorial no hip hop?

MdG – Penso que está cada vez mais pequeno.

PP – Que justificação encontra para tal?

MdG – Quando o rap nacional começou a crescer, quando começou a diversificar-se, a apresentar propostas com mais qualidade,em diferentesdirecções das já existentes, começaram asurgir em força os downloads ilegais e, dado o target normal duma banda rap – miúdos que não compram discos, que nem devem saber o que é um CD – as vendas caíram radicalmente. Foi uma facada nas costas do hip hop nacional. Nacional e mundial, pois o mercado discográfico caiu em todo o mundo. O hip hop andava a sustentar o mercado musical há anos, há décadas, e, de repente, deixou de o fazer. Veio substitui-lo um rap de plástico, uma forma de rap que os americanos inventaram. Daí dizerem que o hip hop está às portas da morte. Mas eu espero que não. No que depender de nós, pelo menos,não vai morrer. Estamos aqui para batalhar, para fazer música, quer haja público, quer não haja, quer seja moda, quer não seja.

PP – Existem, actualmente, planos de internacionalização para os Mind da Gap? Em tempos, já viram um álbum vosso ser editado em Espanha…

MdG – Neste momento, não, mas será uma hipótese a explorar. Quando editámos o “Sem Cerimónias” em Espanha, foi uma proposta que veio de lá, não uma procura nossa ou tão pouco da Norte Sul. Foi interesse exterior.

PP – Não põem, portanto, de parte a hipótese de virem a editar “A Essência” no exterior…

MdG – Por que não? O facto de termos lançado o “Sem Cerimónias” em Espanha funcionou muito a favor do nosso ego. Foi óptimo para nós ter um álbum nosso criticado por alguém que percebia do assunto e que, não só percebia, como falava muito bem. Críticas como “um dos melhores projectos da Europa”, “O melhor projecto da Península Ibérica” ou “Só se faz rap assim na América” aumentaram bastante o nosso ego e confiança, num altura em que os críticos portugueses não nos valorizavam, nem olhavam com optimismo para o nosso futuro como banda.

Sara Novais