Nenhum latino está nomeado ao Grammy de Melhor Álbum, Gravação, Canção ou Novo Artista, as quatro categorias mais importantes da premiação de música, que se realiza este domingo, dia 4 de fevereiro.

Para alguns críticos, foi como um balde de água fria, especialmente porque a histórica nomeação de Bad Bunny para Álbum do Ano, em 2023, parecia sinalizar que a Academia de Gravação estava a dar atenção ao público da música latina.

Apesar disso, a inclusão do primeiro trabalho em espanhol na grande categoria não se tornou uma tendência.

Entusiastas da indústria ficaram surpreendidos ao ver Peso Pluma, o artista mexicano que encerrou o ano com uma série de sucessos, ficar de fora da categoria de Artista Revelação.

O cantor de 24 anos, que se destacou na cena global, está apenas nomeado na categoria de Melhor Música Mexicana.

"Ao deixá-lo de fora dos prémios nas categorias gerais, não estão apenas a ignorar um artista", apontou um crítico da revista Rolling Stone. "Estão a descartar toda uma onda de novos talentos que está mudando o cenário musical", frisou.

Karol G

O mesmo aconteceu com a estrela colombiana Karol G, que foi nomeada apenas na categoria de música urbana.

Enquanto isso, a colaboração de sucesso entre Shakira e Bizarrap, que bateu 14 recordes do Guinness com mais de 60 milhões de visualizações em 24 horas, não apareceu em nenhuma nomeação. O rapper porto-riquenho Eladio Carrión foi outra ausência que chamou a atenção dos críticos.

"Tenho a impressão de que não tivemos tantos artistas e criadores latinos como eu gostaria", disse o CEO da Academia de Gravação, Harvey Mason Jr., em entrevista à Billboard, após a divulgação da lista de nomeados.

"Precisamos de nos aproximar mais das comunidades latinas e garantir que representamos a música com precisão. Estamos a ouvir para ver o que podemos fazer para garantir que temos o número certo de membros e a representação adequada", contou,

"Reajuste"

Os artistas latinos têm apresentado bom desempenho em todos os géneros, mas a música regional mexicana é a que mais cresceu de forma exponencial, tornando ainda mais evidente a falta de reconhecimento da Academia.

O crescimento do ritmo mexicano tem sido encarado como uma nova geração de artistas que misturam o género corrido tradicional - baladas que se tornaram populares há mais de um século, durante a Revolução Mexicana - com influências do rap ou reggaeton.

Peso Pluma enfrentou críticas por abraçar o subgénero "narcocorrido", que gira em torno da cultura do tráfico de drogas e divide opiniões entre aqueles que o veem como uma glorificação do ilícito e os que acreditam ser um formato de crítica social.

Mas, de qualquer forma, p seu trabalho, assim como outros estilos regionais mexicanos, conta com uma base fervorosa de fãs dentro e fora do país, mantendo-se forte tanto nas plataformas de streaming quanto nas redes sociais.

 Bad Bunny

"O que está a acontecer agora é um reajuste, não apenas da música regional mexicana, mas do mexicano e da identidade mexicana nos Estados Unidos", afirma o professor da Universidade Estadual de San Diego, Juan Carlos Ramírez-Pimienta, especializado em corridos.

"Tem muito a ver com a erosão do inglês e da música americana como 'a música do mundo'", acrescentou Pimienta.

"Processo de discriminação"

Assim como outros géneros, a música latina possui p seu próprio espaço na lista com mais de 90 categorias do Grammy. Além disso, tem sua própria premiação.

A Academia Latina da Gravação, estabelecida em 1997, realiza os Grammy Latinos desde 2000, para reconhecer especialmente a música em espanhol e português.

O escritor e professor da Universidade de Columbia, Ed Morales, vê a expansão como "uma grande oportunidade de promoção para a indústria da música latina", mas é uma espada de dois gumes.

"A criação dos Grammys Latinos pode ser usada como desculpa para isolar e reduzir a necessidade de representação nos Grammys convencionais", indicou Morales.

"É o mesmo processo de discriminação" enfrentado durante décadas pelos artistas de hip hop, até que essas barreiras começaram a cair nos últimos anos, defende Ramírez-Pimienta.

Portanto, o reconhecimento pode ser apenas uma questão de tempo. "Os latinos não deveriam ser esses forasteiros perpétuos", defendeu o especialista.