O primeiro-ministro condecorou na terça-feira o músico brasileiro Caetano Veloso com a Medalha de Mérito Cultural, referindo o afeto e a defesa da língua portuguesa pelo compositor.

António Costa afirmou que a voz de Caetano Veloso “é universal”, numa cerimónia na residência ofical de São Bento, em Lisboa.

“Artista consagrado no Brasil e no mundo, cantor e autor de canções populares que conhecemos de cor e fazem parte das nossas vidas. O seu canto foi e é um poderoso veículo de afirmação e divulgação da língua portuguesa”, disse o primeiro-ministro, referindo que há cerca de uma semana, quando o músico recebeu o doutoramento 'Honoris Causa' pela Universidade de Salamanca, em Espanha, “fez uma defesa apaixonada da língua portuguesa”.

“Na língua como na música, Caetano esteve sempre ciente do património e da tradição em que se insere, mostrando que isso não era incompatível com o oposto ou uma incessante inovação e renovação”, disse António Costa.

A cerimónia, iniciada com 40 minutos de atraso sobre a hora prevista, decorreu no jardim da residência oficial do chefe do Governo, em S. Bento, em Lisboa, e contou com a participação “surpresa” da fadista Carminho, que interpretou “Os Argonautas” (FernandoPessoa/Caetano Veloso) e “O Quarto” (Carminho/Fado Pagem de Alfredo Marceneiro).

Assistiram à sessão o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e a mulher de Caetano Veloso, Paula Lavigne.

António Costa, no seu discurso, referiu a canção “Língua”, de Caetano Veloso, que “é todo um tratado da sua visão da língua portuguesa”, “onde cabem Luís de Camões ou Fernando Pessoa, Carmem Miranda ou o sambódromo, a [escola de samba] A Mangueira, ou Luanda”.

“O Governo português presta-lhe esta pública homenagem, em reconhecimento da extraordinária contribuição que tem dado para a criação em língua portuguesa, e para a promoção do diálogo cultural entre Portugal e o Brasil, pela divulgação em todo o mundo, do pensamento e da cultura em língua portuguesa”.

O chefe de Governo citou o verso de Caetano, “A língua é a minha Pátria e eu não quero Pátria, Tenho Mátria, quero Frátria”, para referir o programa de intercâmbio de estudantes no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a exemplo do programa Erasmus, na União Europeia, e que se denominará “Frátria”, como ficou decidido na última cimeira desta comunidade, realizada em finais de agosto em S. Tomé.

António Costa considerou a obra de Caetano como “das mais extraordinárias e inventivas do nosso tempo”, sendo “motivo de orgulho para aqueles que falam português”. "As suas canções fazem parte do património comum”, afirmou.

O chefe do executivo salientou: “Caetano Veloso reconciliou-nos com a nossa própria poesia, o nosso fado, os nossos heróis e heroínas”.

Costa recordou o episódio acontecido em 1985, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, ao qual assistiu a fadista Amália Rodrigues, tendo o músico interpretado “Estranha Forma de Vida” (Amália Rodrigues/Fado Bailado de A. Marceneiro). Deste modo “prestou uma sentida homenagem” à fadista e deu testemunho da “sua forte influência” na sua formação musical.

“Caetano e Amália estreitaram num longo abraço”, e se tal hoje pode “parecer banal”, não o era à época. “Caetano fez uma plateia inteira emocionar-se e render-se a Amália Rodrigues”.

Sobre este episódio, o primeiro-ministro citou o musicólogo Rui Vieira Nery, que considerou que “esse foi um momento decisivo que constituiu para o reencontro e o renascimento e a reabilitação do Fado e da própria Amália para um determinado público português”.

A sua versão foi escolhida para a banda sonora do novo filme de Pedro Almodóvar, “Estranha Forma de Vida”.

“Caetano Veloso tem colaborado incessantemente, com artistas portugueses de novas gerações, continuando a cruzar o Atlântico, combinando géneros musicais, sotaques e palavras da nossa língua comum, roçando a sua língua na de Camões”.

Caetano agradeceu a distinção, desde logo, “pela sorte ambígua, mas indubitavelmente sorte, de ter nascido num país que predominantemente fala português”.

“O facto de o Brasil ser um país lusófono é, para mim, quase um milagre”, disse o músico referindo a influência do espanhol “ao redor”, das músicas da Argentina, México ou Cuba, e os “ecos da língua inglesa”.

“O facto de falar português honra-me e dá-me responsabilidades [pois] devemos lutar pelo brilho disso”, disse o músico afirmando que recebeu a homenagem “modestamente”.

Caetano Veloso recebeu a Medalha de Mérito Cultural poucas horas antes do seu terceiro e último concerto em Lisboa, no Coliseu dos Recreios.

O músico encontra-se em Portugal, no âmbito da digressão "Meu Coco", que teve início no país no passado dia 09, e passará ainda pelo Coliseu do Porto, na quinta e na sexta-feira, para mais dois concertos já esgotados.

A Medalha de Mérito Cultural distingue pessoas singulares ou coletivas, nacionais ou estrangeiras, pela sua dedicação à Cultura.

A cantora Maria Bethânia, irmã de Caetano Veloso, que recebeu a Medalha de Mérito Cultural no passado mês de julho, a atriz brasileira Fernanda Montenegro o arquiteto Álvaro Siza, a pianista Maria João Pires, a escritora Maria Teresa Horta, a pintora Paula Rego, a artista Lourdes Castro, o ensaísta Eduardo Lourenço e o livreiro José Pinho estão entre anteriores distinguidos.