Palco Principal – Para vocês, a praia tem um significado muito especial. Porquê?

Diogo - A praia foi um local que nos juntou um bocado. É um sítio onde nós gostamos bastante de estar. Vivemos perto do mar e era lá que nos juntávamos muitas vezes quando éramos mais novos. E foi assim que grande parte da banda se conheceu.

Palco Principal - Vocês formaram-se em 2000 e só editaram dois CD’s desde lá. Porquê tão pouca produção em dez anos?

Gustavo - Tem muito a ver com o contexto. A banda juntou-se na passagem de ano de 2000 para 2001 (faz agora dez anos na entrada de 2011) e nos primeiros anos não tinha, propriamente, formação musical. Começámos a tocar e foi muito uma vontade de fazer música que nos juntou. Primeiro muito como um hobbie e, única e exclusivamente, diversão e, à medida que as coisas foram ficando mais sérias, a banda começou a pensar “ah, podiamos levar isto para outro campeonato”. E em 2006 surgiu a oportunidade de gravar, que era uma coisa que nós já andávamos a planear há alguns anos e, sinceramente, foi só nessa altura que ficámos preparados para fazer um disco.

Palco Principal - E em dez anos. Mudou muita coisa?

Gustavo – Mudou bastante.

Diogo - Mudou.. mas o espírito acho que continua o mesmo. É óbvio que já temos mais experiência, já sabemos mais alguma coisa do que aquilo que sabíamos na altura, mas acho que a vontade é a mesma e o espírito acho que também tem de se manter assim.

Gustavo – Sem dúvida. O espírito é completamente o mesmo. Continuamos amigos como já somos há mais de 15 anos (ou mais até) e a alegria com que fazemos música continua, claramente,a mesma, senão maior, até porque agora, com os concertos e com isto a fazer cada vez mais parte da nossa vida, acaba por ser também mais intenso e mais emotivo. Mas a principal mudança, e aí noto alterações significativas, tem a ver com as escolhas que tivemos de fazer ao longo deste dez anos. Todos nós continuamos a estudar, todos nós continuamos mais ou menos com as nossas carreiras profissionais paralelas à música e, muitas vezes, tivemos de fazer opções diferentes, porque gostamos muito de estar aqui.

Palco Principal - Quais são os vossos temas preferidos para as canções? São coisas que vos acontecem no dia-a-dia? Estou-me a lembrar, por exemplo, do tema Sem DJ...

Gustavo – O Sem DJ, por acaso, é capaz de ser uma excepção no nosso reportório. Normalmente, a nossa mensagem tenta ser de consciência políticae social e tentamos sempre generalizar a pessoa ou o sujeito de quem estamos a tratar no tema da canção. O Sem DJ é engraçado porque acabou por ser uma coisa pessoal, que realmente aconteceu na banda e que surgiu um bocadinho por brincadeira. É óbvio que tem a componente crítica, de intervenção, que tem muito a ver com a falsa propaganda, com a publicidade enganosa (e esse é o tema central da canção) mas o refrão “Os Souls of Fire não têm versão DJ” acaba por ser uma brincadeira que surgiu com os nossos agentes, naquelas alturas em que toda a gente telefonava a contratar os Souls of Fire, mas queriam uma versão mais baratinha e pediam para vir só um DJ, que nós não temos.

Palco Principal - Então, a sociedade é, pela negativa, uma fonte de inspiração?

Gustavo – Não. A sociedade é, pela positiva, uma fonte de inspiração, porque o reggae é música de intervenção e serve exactamente para dizer coisas que nós acreditamos não estar bem ou que podiam estar melhor. Ou, às vezes, até para fazer apologia de coisas que realmente são boas e que fazem parte da nossa vida, como o amor, a amizade, como o estarmos aqui juntos.O reggae faz sentido enquanto soa a verdade e é isso que define a nossa música.

Palco Principal - Acham que há algum preconceito em relação ao reggae?

Gustavo – Há muitos clichés. Eu ouço muito, principalmente pessoas mais velhas, dizer que o reggae teve um boom em Portugal e que agora já passou, que já não têm paciência para ouvir reggae, que é uma música para pessoas mais novas, como por exemplo este Optimus Teen Fest. Mas eu não acredito. Acho que as pessoas, simplesmente, não conhecem tão bem quanto isso o reggae e a verdade é que o reggae em Portugal chegouhá relativamente pouco tempo e as pessoas conhecem uma faceta muito superficial, que no fundo são os artistas mais mediáticos que por cá apareceram. O reggae tem muito mais: tem ligações com o jazz americano, com o rhythm and blues, sobre a forma de ska, por exemplo, que nós agora estamos a explorar bastante, tem ligações fortíssimas com a música africana, com a música étnica oriunda desses países. Portanto, o leque é tão vasto, que poderíamos estar aqui a vida toda a descobrir coisas novas no reggae. Portanto, quando dizem que o reggae é muito simples e é sempre a mesma coisa, eu acho isso um cliché muito grande, no qual não se deve incorrer de forma alguma.

Palco Principal - Vocês conseguem ter contacto com grandes nomes do reggae internacional? É importante essa troca de experiências?

Diogo – Muitas vezes temos a oportunidade de nos cruzarmos, nos backstages,nos grandes concertos e nos festivais, e é sempre uma inspiração enorme. Crescemos a ouvir aqueles artistas e, de um momento para o outro, estamos com eles na mesma área e estamos em cima do palco a vê-los tocar e a conversar com eles. Há artistas que são muito, muito acessíveis e que criam relações com outras pessoas de fora e tudo. É relativamente simples.

Gustavo – Mesmo o nosso primeiro disco – "Comunicar" - foi fruto de uma dessas conversas e de um desses cruzamentos de bandas. Lembro-me que foi num Sudoeste qualquer em que estivemos a tocar com os Groundation e surgiu uma conversa. Começámos a falar sobre a produção do disco deles, quem é que tinha sido, como é que eles faziam, e eles indicaram-nos o produtor, que foi o Jim Fox, que acabou por ser também o produtor do nosso primeiro disco e acabámos por ter uma relação muito porreira com a banda por causa dessa coincidência. Portanto, sim, acho que as pessoas são acessíveis. As pessoas gostam de música e, quando partilham interesses, tornam-se muito acessíveis, sempre.

Palco Principal - E as redes sociais, acham que são um importante veículo de divulgação e uma ferramenta vantajosa no contacto entre grupos?

Gustavo – Nós passamos uma fase, eu acho, verdadeiramente boa para o aparecimento de bandas novas. A revolução da internet, digamos assim, veio possibilitar que nós cada vez conhecessemos mais música, mais bandas emergentes, muitas delas com trabalhos ainda não editados. E isto também se sente no reggae. Portanto, acho que atravessamos uma fase óptima e só temos é de aproveitar isso tudo.

Palco Principal - Vocês são sete em palco...

Gustavo - Agora somos oito.

Palco Principal - É difícil gerir todas as opiniões ou desenrola-se tudo de forma natural?

Gustavo – É como termos oito namoradas (risos). Acho que isso é comum a todas as bandas...

Diogo – É óbvio que tem de haver alguém que tome um bocado ali as “rédeas” não é? Tomar ali um bocado de mão e tomar decisões. E pronto, essas discussões permitem que se façam coisas boas e coisas interessantes. Trabalhamos todos mais ou menos na mesma direcção, por isso entendemo-nos todos bem.

Palco Principal - E quando é preciso, quem é que toma as rédeas?

Diogo – Costuma ser aqui o nosso amigo Gustavo, muitas das vezes.

Palco Principal - E é difícil?

Gustavo – Não, isto não é controlar. Acima de tudo é tomar decisões, fazer convergir opiniões, consoante as maiorias. Não sou eu que tomo as decisões, as decisões são tomadas em conjunto. Muitas vezes é preciso é ter uma palavra e, de certa forma, impor uma decisão, que já existe na banda. Por isso acaba por ser um trabalho muito simples. E tem muito mais a ver com uma questão de personalidade do que com uma questão de trabalho. Não é um cargo que a banda me deu. Acabou por surgir naturalmente.

Diogo – Nós reunimos e passámos ao Gustavo, muitas das vezes. Às vezes também são outras pessoas que tomam a iniciativa, mas o Gustavo está mais desde o princípio e nós também agradecemos. Deixamos em boas mãos.

Palco Principal - E quais são os vossos planos para o futuro?

Diogo – O nosso futuro, quer dizer, vamos pensando também ano a ano, mas é continuar a trabalhar. Temos este nosso segundo álbum ai, já foi lançado no início do ano. Já estamos a trabalhar em músicas novas e, assim que tivermos oportunidade, vamos gravar, vamos discutir ideias, vamos escolher músicas e, talvez para o próximo ano, tenhamos mais alguma coisa aí a sair, em princípio.

Ágata Ricca