Palco Princiapal -Os UHF têm mais de 30 anos. Qual é a receita para um «casamento» tão duradouro?

António Manuel Ribeiro - Essa do casamento é boa. Por aqui foi mais divórcios e uniões de facto, até há 12 anos atrás. A relação actual é apaixonada. Gostamos de estar juntos, o que é fundamental em qualquer “casamento a quatro”.

PP - O vosso primeiro concerto foi num bar. Hoje em dia, ainda existem esses casos de banda de garagem que começa a tocar em bares e depois salta para a ribalta?

AMR - Há um circuito de bares e pequenos espaços por onde as bandas podem evoluir, mas não sei se colocarão alguém na ribalta, tipo Marquee de Londres. Também não foi o nosso caso. Essa e outras salas onde tocámos serviram sobretudo para «matar o medo do palco» e sentir a reacção do público ao que andávamos a compor.

PP - 15 CDs é muito trabalho. A «fonte» não se esgota? Não há momentos em que sentem que já fizeram tudo o que podia haver para fazer?

AMR - No princípio receei que sim. Depois aprendi a conviver com esse medo da «fonte seca» e hoje já não penso no assunto. Quando finalmente concretizamos que a nossa vida passa pela escrita, pela composição, descobrimos que tudo é um acto natural, que não deve ser empurrado à força. O rio continua a correr para a foz…

PP - Onde vão buscar o «material»?

AMR - Não gosto de forçar a escrita de uma canção: ela vem ter comigo quando chega o tempo certo. Posso estar semanas ou meses sem escrever nada e depois saemdez ou 20 de seguida. Como para este disco.

PP - Tem de haver uma reinvenção de álbum para álbum?

AMR - Às vezes penso nisso, no «estilo da roupa» que vamos desenhar. Depois sai tudo ao contrário, como se houvesse um rumo para o qual sou sugado. Mas há coisas que se pensam, por exemplo: vou escrever uma canção com este balanço.

PP - Quais os temas que mais vos agradam para as vossas músicas?

AMR - No fundo acho que sempre fui um repórter da actualidade sociológica. E depois faço radiografias ao meu sentir, às minhas emoções, ao amor eterno em canções de três minutos.

PP - Quem são as vossas grandes referências?

AMR - Já não existem. Masexistiam, no princípio. Se cruzar os Doors com o José Afonso der alguma ideia, comecei por aí. O Peres estava no punk; o Renato, nos Genesis. Depois deu aquela mistura explosiva dos “Cavalos de Corrida”.

PP - Alguma vez se sentiram prejudicados por cantarem em português?

AMR - Quando nós começámos, havia essa mania de papaguear vocábulos com sotaque duvidoso. Depois do nosso sucesso, passaram à cinza da história. Nunca percebi a piada de se dizer: “Boa noite Beja, vamos cantar agora “My love is golden”. Ou então, a variante: “Good evening Guarda, we are from Santarém”. Acho que há muita gente distraída por aí, no estilo geral da nação. As pessoas, o público real, gostam de ouvir naturalmente a sua língua mãe, e cantar os assuntos que tocam as suas vidas.

PP - Consideram-se os pais do rock português? Os primeiros a fazer algo do género e na língua materna?

AMR - Fomos os primeiros a gravar um disco, “Jorge Morreu”, em 1979. E a encetar uma digressão nacional a sério, fora dos bailaricos tradicionais. Mas o slogan pertence ao Rui, foi inventado pela editora Valentim de Carvalho e fica-lhe muito bem.

PP - As vossas músicas estão muito presentes na televisão. As novelas são um bom veículo de divulgação?

AMR - Há dias li uma entrevista do Paulo Gonzocom a qualestou 100% de acordo: as telenovelas tornaram-se o veículo de promoção mais importante para a música portuguesa contemporânea. Quando a rádio perceber que na TV não se brinca, antes se interpreta o pulsar da nação, teremos naturalmente música portuguesa na rádio portuguesa, sem necessitar de leis e quotas.

PP - Ainda se sentem acarinhados pelo público? Têm uma legião de fãs que vos segue para todo o lado?

AMR - Os UHF têm uma legião fiel de fãs, um clube organizado e excursões que cruzam o norte e o sul atrás de nós. Mas, sobretudo, constatam que 2010 tem sido um ano de banhos de multidão. A nação cresce.

PP - É já a segunda vez que são escolhidos para integrar uma colectânea norte-americana. É uma grande honra, não é? É o reconhecimento lógico de uma vida dedicada à música?

AMR - Nunca pensei nisso assim. Primeiro desconfiei do convite, mas hoje entendo que há qualquer coisa na nossa música, em algumas músicas, que é internacional, exportável. As canções escolhidas pelos americanos estão cantadas em português, o que me faz pensar que terá também algo a ver com o sentimento – é possível. Os elogios foram muitos; guardámo-los para evitar a tradicional má-língua da inveja nacional.

PP - O vosso trabalho é realmente reconhecido além fronteiras?

AMR - Sejamos humildes: o que nos aconteceu tem a dimensão que tem, veremos o que o futuro nos traz. Mas não deixa de ser curioso verificar que quer o myspace dos UHF, quer o meu, têm mais de 50% das visitas centradas nos Estados Unidos há largos meses.

PP - O António Manuel Ribeiro tem trabalhos a solo. Acha que os músicos que sempre estiveram à frente de bandas de sucesso precisam, a certa altura, desse espaço?

AMR - Essa é uma leitura crítica da situação. E até é capaz de ser justa. A partir de uma certa altura, os líderes das bandas têm de domesticar o ego. Eu, que sou previdente e empresário, meti o meu numa offshore a render dividendos. Gravei até agora dois discos a solo, por razões diferentes, pessoais, minhas. O primeiro, porque estava chateado com a banda (1991/92); o segundo, porque precisava de regressar ao trabalho, depois da morte do meu pai (2000). Muito provavelmente irei gravar um terceiro disco este ano, tenho muitas canções escritas e uma ideia para juntar 10 ou 12 canções, que não quero submeter ao crivo sonoro dos UHF – são divergentes.

PP - As redes sociais são indispensáveis para os músicos, hoje em dia?

AMR - As redes sociais fazem parte deste estandarte global, que começou por encolher a indústria reprodutiva, e depois passou a ser ferramenta. Mas ninguém sabe onde isto vai parar, é uma metamorfose muito rápida. Fiquemos atentos; sejamos ágeis.

PP - Qual o futuro dos UHF?

AMR - O que os UHF quiserem enquanto se sentirem bem no que fazem; enquanto o fizerem bem; e enquanto nos quiserem como parte das suas vidas.

Ágata Ricca