Palco Principal - Lê-se no press release que este “Diffraction/Reffraction” é um disco muito mais desafiador do que “Chromatic”. Porquê?

Salvador Menezes – Na minha opinião, é um disco com alguma densidade – apesar de não parecer -, uma vez que está muito bem misturado, tem alguma complexidade nos arranjos... Agora, que estamos a ensaiar para o concerto de apresentação no CCB, estamos a perceber isso, que, ao vivo, não é fácil de tocar, é mais difícil do que o anterior.

PP - Mas esse desafio também acontece porque ”Chromatic” foi bem recebido pela crítica?

David Santos – Acho que é um conjunto de coisas - um segundo disco é, à partida, um problema maior porque podes desiludir as pessoas que gostaram do primeiro, ou podes ter um resultado igual ao anterior. Há uma série de coisas que fazem com que se sinta um pouco mais de pressão relativamente ao resultado. Numa banda como nós, que somos seis pessoas, embora já tivéssemos tido um EP antes [“You Can’t Win, Charlie Brown”, Optimus Discos (2010)], o primeiro disco foi um pouco de descoberta, o de descobrir o que cada um podia fazer, ao vivo, o que é que cada um podia tocar ou não. Neste caso, cada um de nós sabia melhor o que podia fazer, qual era a sua importância no conjunto dos seis. Acho que o facto de termos noção disso faz com que este disco esteja mais bem feito do que o anterior.

PP - Vocês fazem uma ligação entre o folk e a eletrónica. Consideram que, neste caso, está mais bem conseguida do que no anterior?

SM – Nunca pensamos nem em eletrónica nem em folk quando compomos, não pensamos se vamos misturar os dois campos.

PP - Mas, quando compõem – e trabalhando campos tão opostos como o folk e a electrónica –, como é que fazem a estrutura da canção: pela composição, pela letra?

DS – Normalmente, partimos de uma base instrumental.

SM – O mais comum é haver uma base instrumental e só depois a letra. Quando sou eu a compor, como não canto muito, a minha base é instrumental. No caso do Afonso [Cabral, voz e guitarra], como canta a maior parte dos temas, além da parte instrumental, já vem com a ideia para a letra, porque tem essa componente muito presente.

DS – Essa complexidade da estrutura da canção vem também do facto de que há algumas músicas neste disco que não têm aquela regra normal do verso, verso, depois o refrão, depois verso. Tem estruturas que não são tão óbvias, tão comuns.

PP - Vocês tocam dia 18 no CCB, em Lisboa, e só depois lançam o disco, dia 20. Porquê fazer o concerto antes?

DS - Foi um pouco uma consequência dos nossos timings. Havia uma possível data no CCB e nós aceitámos, até porque o disco precisaria de sair muito tempo antes, para as pessoas o poderem ouvir e conhecerem. Mas havia a questão de não querermos lançar o disco muito próximo do início do ano, numa altura em qua ainda se fazem balanços do ano anterior. E é um bom desafio para as pessoas: sentarem-se e não saberem bem o que vão ouvir.

PP - Vão ter convidados?

DS - Não, somos só nós. Já somos muitos em palco (risos). Como temos uma banda grande, já conseguimos atingir certos níveis de densidade sem ser preciso termos mais pessoas. Neste caso, como é o primeiro concerto deste álbum, é importante para nós conseguirmos perceber como é que vai soar, estando só nós em palco.

PP - No início da banda eram só três – Salvador Menezes, Afonso Cabral e Luís Costa - e cada um estava, precisamente, a compor e a procurar pessoas para tocar.Aquilo que cada um estava a fazer era assim tão semelhante que pudesse resultar num projeto comum?

SM – As músicas eram do mesmo género e, quando as juntámos, acabaram por ficar ainda mais parecidas. O David surgiu praticamente de seguida e já fez o primeiro EP. No fundo, começámos com quatro e até já tínhamos tocado juntos, com exceção do David e do Luís. De resto, já tínhamos tido essa experiência.

PP - No “Chromatic” havia uma clara distinção entre as canções: umas mais dançáveis, outras mais calmas... Havia uma que tinha sete minutos e meio, quase um épico. Agora, com “Diffraction/Reffraction”, parece que as coisas se suavizaram. Essas diferenças atenuaram-se com este trabalho? Encontraram o vosso ponto certo?

SM – Apesar de este disco ter músicas feitas de base por mais pessoas da banda - logo, poderia ser maior o leque musical sonoro -, conseguimos trabalhar de forma a que este parecesse um disco só. Apesar de algumas músicas serem bastante distintas entre elas, nota-se menos essa diferença, porque conseguimos fazer um bom alinhamento.

DS – A ordem ajuda as pessoa a prepararem-se para a música que vem de seguida. Ouve-se o disco todo e parece que só se ouviu uma música.

PP - Há uma continuidade...

DS - Sim, enquanto o anterior poderia soar mais como uma compilação, uma vez que tem músicas mais soltas. Acho que todo o processo foi mais completo. Estivemos muito mais vezes os seis juntos na finalização das coisas. O anterior teve um processo de mistura rápido de mais, este teve o tempo certo e estivemos juntos nos processos todos.

SM – Houve uma unidade maior. No “Chromatic” tivemos de parar a meio das gravações, houve outras experiências e isso fez com que o disco acabasse por soar um pouco mais partido. No “Diffraction/Reffraction” tínhamos já as demos preparadas quando fomos para o estúdio. Gravámos tudo de seguida.

PP - Mas nota-se que algumas têm uma toada mais eletrónica e outras são marcadamente mais folk. A “Heart”, por exemplo, que tem no início uma guitarra muito parecida com a melodia do Nick Drake, uma das vossas influências, é apenas folk.

DS - É um das mais calmas. Essa parte das influências é sempre um pouco ingrata, porque nós referimos esses nomes para quem não conheça o que nós fazemos ficar com uma ideia. Mas não que seja com o objetivo de: “não faças esse acorde, faz antes o outro porque é mais parecido com uma das nossas influências".

SM – E também porque não queremos ser parecidos com ninguém. Não é o nosso objetivo.

PP - No teu caso, Salvador, só trabalhas com os YCWCB, mas tu, David, tens o teu projeto, Noiserv. Depois há ainda o João Gil, com o Vitorino Voador e o Julie and the Carjackers. É fácil, para quem tem projetos paralelos, compartimentar as coisas que vocês fazem?

DS – Não é uma coisa imediata. No meu caso, tanto neste disco como no anterior, não há músicas que sejam minhas de base e isso é até um género de refúgio. E os projetos são diferentes, mas não são assim tão distintos, por isso esse refúgio funciona para um lado e para o outro. Ter bem definido o meu papel, neste caso aquele que eu tenho nos YCWCB, ajuda-me a fazer isso.

PP - Mas tu cantas um tema...

DS - Mas no cantar é diferente, acho que é mais fácil ser-se influenciado quando se faz algo a partir de uma base, porque tudo o que tu fazes está lá. O que é mais complicado dividir é quando pensas: ‘esta música é de que projeto, para que projeto é que faz mais sentido?’. E, para evitar isso, tenho tentado tomar essa opção, de não fazer temas meus, de raiz.

PP - No concerto de apresentação vão tocar só este álbum?

SM - Não, vamos buscar músicas aos anteriores também.

PP - E vão criar novos arranjos para essas?

DS – A parte de estar a reinterpretar coisas antigas seria uma perda de esforço. Acho que até faz sentido, em alguns casos, haver um concerto em que se possa reinterpretar aquilo que já foi feito. De outra forma, enquanto concerto normal, enquanto espetador, o que quero ver é o trabalho normal. Gosto de ouvir aquilo que já gostei de ouvir.

SM – Quem vai, já não vai reconhecer as novas. Se lhe damos as antigas com uma roupagem diferente, seria tudo novidade, e acho que o público quer reconhecer as mais antigas.

PP - Qual será o maior desafio, uma vez que há pouco referiam que têm sentido que este disco é difícil de transpor para um espetáculo ao vivo?

SM - Os arranjos de vozes para conseguir cantar bem e quem é que vai cantar o quê. Há músicas com muitos instrumentos, temos de perceber quais os mais importantes ou imprescindíveis, quem toca o quê. Ou seja, no fundo, quanto tocarmos, temos de garantir que essa música soe o mais parecido possível com o que se ouve no disco - é esse o nosso objetivo.

PP – Vocês tocaram no festival South by Southwest, no Texas, e, na altura, andaram a angariar dinheiro para fazerem a viagem. Foram bem recebidos?

SM - Não foi bem uma angariação. As pessoas recebiam sempre qualquer contrapartida. O 'South' é uma feira de música, cinema e tecnologia, com muitos acontecimentos a decorrerem ao mesmo tempo. Nós demos dois concertos, o primeiro estava composto, o segundo foi no hall de um hotel e as pessoas iam passando e parando. Mas foi uma experiência muito boa.

PP – Também já tocaram em Brighton, no Reino Unido...

DS – Esse foi um dos melhores, porque são muitas bandas a tocar, mas nós conseguimos tocar num dos sítios mais centrais, onde as pessoas iam independentemente de quem estivesse a tocar. Senti da parte das pessoas uma repercussão muito boa e a um nível muito bom. Éramos desconhecidos, mas sentimos que, ao fim de duas, três músicas, as pessoas começaram a reagir muito bem.

SM - Foi a partir desse concerto que um jornalista francês escreveu sobre nós na revista "Los Inrockcuptibles".

PP - Qual a melhor coisa que podia acontecer este ano relativamente a este trabalho?

DS – As pessoas reagirem bem ao trabalho que fazes. Isso dá-te força para fazer outros trabalhos.

PP – Mudariam alguma coisa?

SM – Quando estamos a fazer o trabalho, discutimos muito, ao pormenor, todas as coisas, todas as fases. Mas, assim que se fecha uma música, chegamos a um consenso, está fechado.

DS – Se há alguém na banda que não concorde, o resto da banda tem o cuidado de ouvir para perceber se, de facto, há coisas que podem ser melhoradas, por isso, não há lugar para pensarmos nisso.

PP - O primeiro trabalho era mais folk; o segundo, um dispersar entre vários géneros de música; e este, mais recente, parece mais coeso. Nota-se uma evolução.

DS – Não foi uma coisa premeditada. Quando estamos a fazer uma canção, vamos experimentando e, quando sai bem, esse passa a ser o novo caminho. As partes mais elétricas, por exemplo, funcionam melhor ao vivo.

SM – Cada um conseguiu perceber o seu lugar na banda e agora aventuramo-nos menos, sabemos os pontos fortes e fracos de cada e, para este trabalho, explorámos isso ao máximo. É isso o que se quis transmitir para este disco.

Texto: Helena Ales Pereira

Fotografias: Vera Marmelo