Mesmo que tenha desacelerado o ritmo de estreias de filmes e séries nos últimos tempos, a Marvel parece continuar incansável na exploração de todos os recantos do seu universo nos ecrãs. E se não faltam acusações de redundância depois de largas dezenas de adaptações, "Echo" chega com a promessa de "um novo começo e um novo tom" para os estúdios.

Quem o diz é o produtor executivo Brad Winderbaum, em resposta ao SAPO Mag na conferência de imprensa virtual de apresentação da minissérie de cinco episódios criada por Marion Dayre (argumentista de "Better Call Sall"), disponível na íntegra no Disney+ a partir desta quarta-feira (contrariando o modelo habitual de um capítulo por semana, o que por si só já é novidade nestes meandros).

 Brad Winderbaum
Brad Winderbaum créditos: AFP

"É uma história muito coesa e emocional", salienta o norte-americano ao apresentar a jornada da personagem que se estreou no Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) em "Hawkeye - Gavião Arqueiro" (2021), então ao serviço de Wilson Fisk, o temido Rei do Crime (mais uma vez encarnado, e ainda bem, por Vincent D'Onofrio), em becos pouco recomendáveis de Nova Iorque.

Mas se aí os espectadores a conheceram como antagonista do Vingador interpretado por Jeremy Renner, a aventura a solo quer explorar outras facetas de uma mulher mais contraditória do que poderia parecer à partida. Apesar de surda e mutilada (perdeu uma perna), Maya Lopez, mais conhecida como Echo, não deixou de se tornar das assassinas mais letais da cidade que nunca dorme, e parte da minissérie vai revelar como chegou a essa posição. Esse passado, no entanto, não é o único em foco numa história que a acompanha rumo à sua comunidade indígena no Oklahoma, ao fugir de Fisk.

Kingpin
Vincent D'Onofrio na pele de Wilson Fisk, o Rei do Crime

"Julgo que a Marvel está no seu melhor quando deixa que os argumentistas sigam a personagem e a deixam conduzir a dança", diz Winderbaum, explicando que a atriz Alaqua Cox foi crucial para que a minissérie seguisse por aí. "Quando a contratámos em 'Hawkeye - Gavião Arqueiro' e vimos o que ela fez à frente das câmaras, percebemos logo que seria uma personagem incrível de acompanhar".

Uma Marvel "crua e adulta"

Alaqua Cox, que teve o primeiro papel da carreira numa produção da Marvel, é o rosto de uma aposta "mais adulta", a primeira dos estúdios não aconselhada a menores de 17 anos nos EUA, assinala o produtor executivo. "É uma personagem que tem um passado violento, que lidou com um grande trauma, que tem de tomar decisões muito difíceis e de confrontar pessoas que ama para crescer e mudar", acrescenta. "Ao seguirmos esta personagem, encontrámos o tom da série. É uma história mais crua, mais terra a terra."

O trauma não é, aliás, algo estranho à atriz. "Passei por muitas cirurgias em criança por também ser mutilada. Isso tornou-me uma guerreira, de certa forma. A Maya lidou com a morte da mãe e outros episódios trágicos ao longo da vida. Somos ambas fortes e duras", sublinha.

Echo
Alaqua Cox como Maya Lopez / Echo

A nativo-americana também realça que um dos grandes desafios da protagonista é familiar. "Ela vai tentar reconciliar-se com a família biológica depois de descobrir que a sua família adotiva, em particular o tio, a traiu. E redescobre um passado mais conturbado e profundo. Espero que ela possa aprender, e que todos possamos aprender, à medida que redescobre a família".

"A representatividade não era uma possibilidade, mas uma necessidade"

Para a realizadora e produtora executiva Sydney Freeland, o retrato da família biológica foi uma responsabilidade que fez questão de não descurar. "A representatividade não era uma possibilidade, mas uma necessidade", defende. "Sou [da comunidade indígena] Navajo e estou a contar uma história da nação Choctaw. Por isso, para mim era absolutamente necessário envolver a comunidade Choctaw", conta.

"Um dos pontos essenciais era pedir permissão à nação Choctaw para a retratar. Porque me parece que uma das coisas que acontecem às comunidades nativo-americanas e indígenas é haver pessoas que dizem 'Vamos dizer-vos que história que vamos contar'. E eu queria uma abordagem diferente, envolvendo-os no processo", refere.

Sydney Freeland
Sydney Freeland créditos: AFP

"O segundo ponto essencial foi tentar estabelecer um diálogo. Quisemos ouvi-los, conhecê-los, ser tão autênticos quanto possível no retrato da linguagem Choctaw, da cultura Choctaw, da experiência Choctaw. E isso partiu dela. Julgo que, muitas vezes, as pessoas tendem a pensar nas tribos e culturas nativo-americanas como um monolito, e não é esse o caso. Cada tribo é diferente, cada linguagem é diferente, cada cultura tem as suas especificidades", frisa, dando o exemplo de um momento do qual se orgulha em particular. "Temos uma cena que penso nunca ter sido feita, na qual mostramos a América antes de qualquer contacto europeu, que resultou diretamente da nossa colaboração com a nação Choctaw."

"Marvel Spotlight", capítulo 1

Sydney Freeland, que realizou "Drunktown's Finest" (2014), drama premiado sobre adolescentes da comunidade Navajo, e a comédia "Deidra e Laney Assaltam um Comboio" (2017), disponível na Netflix, também dirigiu episódios de "Reservation Dogs", a aplaudida série criada por Sterlin Harjo e Taika Waititi que tem como cenário, tal como "Echo", uma reserva indígena do Oklahoma. E uma das atrizes dessa produção (cujas três temporadas podem ser vistas no Disney+) integra agora o elenco da minissérie da Marvel. Devery Jacobs, que muitos conhecerão como Elora Postoak, interpreta aqui Bonnie, prima da protagonista, "alguém semelhante ao que Maya poderia ser caso não tivesse ido para Nova Iorque", descreve a nativo-americana.

Devery Jacobs
Devery Jacobs créditos: Lusa

A atriz enaltece "o elenco repleto de atores indígenas e o sentido de família da série", capaz de "tornar a história mais realista" - além da própria e de Alaqua Cox, o elenco inclui os veteranos Chaske Spencer, da saga "Crepúsculo" ou "The English", e Zahn McClarnon e Graham Greene, que também participaram em "Reservation Dogs".

"Há texturas e sabores que conseguimos ter quando contamos histórias a partir das nossas comunidades", defende. "É primordial garantir que haja tantos contadores de histórias dessas comunidades quanto possível. Houve centenas de anos de falta de representatividade, de representatividade incorreta e de exclusão intencional de vozes indígenas de Hollywood. É decisivo fazermos parte dessa conversa para sermos capazes de contar as nossas histórias de forma autêntica", insiste.

Brad Winderbaum concorda com essa mudança de paradigma e aponta o lado pioneiro de "Echo". "A Maya permite-nos explorar um recanto do MCU que ainda não tinha sido visto. E para mim, esse é o futuro da Marvel", avança, aludido à "Marvel Spotlight", uma nova marca do estúdio inspirada pelo título de uma revista antológica editada entre 1971 e 1981. "Contar histórias inesperadas. Que decorrem nos limites do que já vimos. Autocontidas. Focadas nas personagens. E com uma personalidade muito própria", sintetiza ao apresentar a nova abordagem que promete deixar outros ecos nos próximos meses.