Zweig propôs quase uma fábula ao tratar da personagem de um cão com muitas qualidades humanas – enquanto, no caso do seu dono, entra por uma das características que tanto agradava o autor austríaco, a monomania, presente num dos seus mais famosos contos, “Amok”.

Aqui o homem obstinado e enérgico à beira do insuportável é o vizinho da narradora que cerca de atenções, de forma maníaca, o seu recém adquirido canídeo. Este foi oferecido pela vizinha justamente para ver se a pobre esposa tinha uma folga das suas atenções mais do que excessivas. O ponto de viragem, no entanto, é o aparecimento de um bebé – onde o homem retira as atenções de um cão, o qual havia adquirido um temperamento despótico e malévolo, para se voltar para a mulher grávida.

A história é uma reflexão sobre as relações de poder – presente na descrição de um processo de submissão irracional e consequente aproveitamento manipulatório. O autor do posfácio, Francisco de Nolasco Santos, sugere uma parábola de Zweig relacionada com acontecimentos contemporâneos, ainda que ele nunca o faça de forma explícita.

Segundo esta ideia, o escritor referir-se-ia, com a sua história de submissão voluntária de um homem bom a um tirano, a acontecimentos políticos muito específicos - como a passividade dos governos europeus face à escalada de Adolf Hitler e a sua contínua incorporação de territórios antes de a invasão da Polónia desencadear, finalmente, uma reação.

Não é surpreendente que assim seja: Zweig assistiu presencialmente, em Viena, à ascensão do nazismo e à brutalidade contra os judeus – o que o levou a refugiar-se em Inglaterra, nos Estados Unidos e, finalmente, no Brasil. Foi lá que a primeira versão de “Foi Ele?” foi publicada - só surgindo na Europa anos depois da morte do autor.

Sensível aos desdobramentos da guerra na Europa, o autor acabou por cometer suicídio com a esposa em Petrópolis, cidade próxima do Rio de Janeiro, em 1942.