Em comunicado, o Conselho de Administração da RTP refere que "recebeu uma comunicação da diretora de informação Maria Flor Pedroso a colocar o seu lugar à disposição, por esta considerar que, face aos danos reputacionais causados à RTP, não tem condições para a prossecução de um trabalho sério, respeitado e construtivo, como sempre tem feito".

Depois de "auscultação dos motivos invocados pela diretora e exclusivamente por esses motivos, o Conselho de Administração considera que não tem "outra alternativa que não seja aceitar essa decisão", agradecendo a "Maria Flor Pedroso, jornalista de idoneidade e currículo irrepreensível, o trabalho desenvolvido de forma dedicada, competente e séria enquanto diretora de informação de televisão da RTP".

Segundo o Observador, Cândida Pinto, Helena Garrido, Hugo Gilberto e António José Teixeira, diretores adjuntos de Maria Flor Pedroso, também estão a colocar os respetivos lugares à disposição do Conselho de Administração da RTP.

A administração liderada por Gonçalo Reis adianta que "nomeará em breve uma nova direção à qual continuará a exigir a implementação das melhores práticas, para que o jornalismo feito pela RTP seja o mais completo, o mais sério, o mais credível e o mais isento, ao total serviço do público".

O Conselho de Administração "acredita que a linha editorial que vinha a ser desenvolvida pela direção, assente num jornalismo objetivo e rigoroso, livre e independente, isento e plural é a matriz de um serviço público de excelência, em absoluto contraste com a crescente tendência para um jornalismo populista e sensacionalista que repudiamos veementemente e que é imperativo combater".

Para esta segunda-feira, o Conselho de Redação da RTP tinha convocado um plenário de jornalistas sobre o conflito entre a equipa do "Sexta às 9", coordenado pela jornalista Sandra Felgueiras e por Maria Flor Pedroso.

A reportagem sobre instituto ISCEM e o desentendimento com Sandra Felgueiras

Na semana passada, a jornalista da RTP Sandra Felgueiras acusou a diretora de informação de ter passado "informação interna e sensível" ao instituto ISCEM que estava a ser investigado pelo "Sexta às 9", algo que Maria Flor Pedroso desmentiu.

De acordo com as atas da reunião Conselho de Redação (CR) da televisão da RTP, datada de 11 de dezembro, a que a Lusa teve acesso, após os esclarecimentos prestados aos membros eleitos do órgão sobre a reportagem do lítio, a jornalista e coordenadora do "Sexta às 9", Sandra Felgueiras, revelou "outro episódio com que a equipa do programa se defrontou".

A jornalista referiu que na reunião de 3 de outubro deu conta à diretora de informação de que estaria a investigar suspeitas de corrupção no âmbito do processo de encerramento do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), que passava pelo alegado recebimento indevido de "dinheiro vivo" e que deu a Maria Flor Pedroso e à diretora-adjunta, Cândida Pinto, detalhes da investigação.

No dia 8 de outubro, a diretora do ISCEM terá contactado a jornalista "para dizer que tinha falado" com a diretora de informação, "que lhe teria transmitido que a investigação do programa ‘Sexta às 9’ passava pela suspeita de recebimento indevido de ‘dinheiro vivo’ e que, por recomendação da mesma, só iria responder às perguntas do programa (...) por escrito".

Na reunião do CR, Sandra Felgueiras "acusou a diretora de informação de violação dos deveres funcionais e de violação do dever de sigilo, ao transmitir para a principal visada na reportagem informação privilegiada", algo que Maria Flor Pedroso "rejeitou liminarmente", questionando a jornalista sobre a razão pela qual “reteve esta informação até ao dia 11 de dezembro quando já a conhecia desde 8 de outubro".

Entretanto, "Sandra Felgueiras respondeu que apenas soube no dia 3 de dezembro, quando saiu das audições na Assembleia da República, que a investigação não se iria realizar, uma vez que Ana Raquel Leitão tinha recebido um 'email' do arquiteto [a quem a diretora do ISCEM devia dinheiro] a revogar o direito de entrevista, pois a dívida da diretora do ISCEM [dois milhões de euros] já teria sido saldada", lê-se na ata.

"Neste momento, a diretora de informação e a coordenadora do programa 'Sexta às 9' envolveram-se numa discussão acesa, sendo praticamente impossível reproduzir com fiabilidade tudo o que foi referido", refere a ata.

Maria Flor Pedroso "explicou ao CR que deu aulas de jornalismo radiofónico durante oito anos no instituto e que não divulgou nenhuma investigação" e justificou que "questionou na secretaria" do ISCEM "se estava a ser exigido aos alunos que pagassem os emolumentos em 'dinheiro' vivo e que nesse dia encontrou Regina Moreira".

Acrescentou que a diretora do instituto disse que tinha sido contactada pelo programa e que não iria dar entrevista.

Ao Conselho de Redação, Maria Flor Pedroso explicou que "apenas lhe disse para responder por escrito para que o programa não perdesse toda a história", recusando qualquer acusação de ter divulgado pormenores da investigação.

Sobre o facto de Cândida Pinto se ter dirigido à jornalista Ana Raquel Leitão para lhe dizer que "alguém lhe disse" que o ISCEM não tinha multibanco, pelo que a investigação "poderia não ter pernas para andar", já que essa poderia ser explicação para os alunos estarem a pagar os emolumentos em dinheiro, a diretora de informação disse que tinha sido a própria a transmitir a informação à diretora adjunta.

Flor Pedroso "acabou por pedir desculpas à equipa, mas frisou que apenas tentou ajudar, uma vez que tinha acesso a fontes não alcançáveis pelos jornalistas da equipa", lê-se no documento.

Jornalistas assinaram abaixo-assinado em defesa de Maria Flor Pedroso

Até às 18h00 de domingo, mais de 130 jornalistas tinham subscrito um abaixo-assinado em defesa de Maria Flor Pedroso, uma iniciativa que arrancou na sexta-feira e conta com nomes de profissionais de várias gerações e meios, desde Adelino Gomes, Henrique Monteiro, Anabela Neves, Francisco Sena Santos, Rita Marrafa de Carvalho, São José Almeida ou Sérgio Figueiredo.

"Confrontados com o grave ataque público à integridade profissional da jornalista Maria Flor Pedroso, os jornalistas abaixo-assinados não podem deixar de tomar posição em sua defesa, independentemente das questões internas da empresa onde é diretora de informação, que manifestamente nos ultrapassam", referem os 133 jornalistas que subscrevem o documento.

No abaixo assinado, com quatro pontos, os jornalistas - de várias redações - apontam que "Maria Flor Pedroso é jornalista há mais de 30 anos, sem mácula", uma "jornalista exemplar" e "reconhecida e respeitada pelos pares".

Os subscritores defendem que a diretora de informação da RTP "é uma das mais sérias profissionais do jornalismo português", tendo chegado "por mérito ao cargo que atualmente ocupa".

Maria Flor Pedroso é "defensora irredutível do jornalismo livre, rigoroso", "sem cedências ao mediatismo, a investigações incompletas, ou à pressão de poderes de qualquer natureza", sublinham no abaixo-assinado.

Recordam ainda que a profissional "foi escolhida pelos pares para presidir à Comissão Organizadora do 4.° Congresso dos Jornalistas Portugueses, uma iniciativa que se revelou um marco na discussão dos problemas da profissão".

Maria Flor Pedroso "é frontal", "rejeita favores" e "nunca foi acusada de mentir", salientam no seu abaixo-assinado.

Petição online exigia a "demissão imediata da direcção de informação da RTP"

Também este fim de semana, foi lançada nas redes sociais uma petição online onde é exigida "a demissão imediata da Direcção de Informação da RTP".

"Face à extrema gravidade dos factos que vieram a público e que claramente revelam parcialidade e manipulação desta informação que se pretende totalmente isenta, nós, cidadãos portugueses, exigimos a demissão imediata da Direcção de Informação da RTP e a sua substituição por uma Direcção independente e representativa de uma visão nova do papel que o jornalismo desempenha numa sociedade que se quer democrática", sublinham os criadores da petição.

O adiamento da estreia da nova temporada do programa

O grupo parlamentar do PSD tinha apresentado um requerimento para a realização de uma audição parlamentar à jornalista da RTP Sandra Felgueiras, à diretora de informação da RTP, Maria Flor Pedroso, e ao presidente da RTP, Gonçalo Reis, sobre a decisão de adiamento do programa "Sexta às 9" por parte da estação pública sobre o lítio.

Num requerimento entregue em 13 de novembro na Assembleia da República e dirigido à presidente da Comissão de Cultura e Comunicação, os sociais-democratas salientaram que a RTP está vinculada “a produzir um serviço público de rádio, de televisão e de multimédia com padrões de referência que permitam melhorar a qualidade da democracia e o exercício da cidadania em Portugal”.

“O programa de jornalismo de investigação da Rádio e Televisão de Portugal (RTP) ‘Sexta às 9’, coordenado pela jornalista Sandra Felgueiras, teve o seu regresso, após período de férias, anunciado para o dia 13 de setembro, mas só veio a ser emitido já depois das últimas eleições legislativas, a 11 de outubro”, sustenta o PSD, no requerimento assinado pelos deputados Ricardo Baptista Leite e Paulo Rios de Oliveira.

Os sociais-democratas consideram que “o motivo subjacente à decisão de adiamento do programa ‘Sexta às 9’ por parte da RTP, torna-se particularmente relevante e exige ser esclarecido”, apontando que é dever da estação pública de Rádio e Televisão proporcionar “uma informação isenta, rigorosa, contextualizada e plural, assegurando a sua independência face aos interesses setoriais e ao poder político”.

“Perante a gravidade do conteúdo da reportagem emitida por esse programa de investigação a 11 de outubro, no qual se dá conta da abertura de um inquérito pelo Ministério Público ao processo de concessão de uma exploração de lítio em Montalegre, envolvendo o Governo de então, é evidente que se trata de uma questão central apurar, com celeridade, a verdadeira razão que motivou a suspensão do programa”, defendem.

Os deputados do PSD referem que, nas legislativas de 2015, o programa regressou de férias a 11 de setembro e invocam que a justificação dada pela direção de informação da RTP - de acordo com os sociais-democratas, “ajustes na programação” devido à campanha eleitoral - “causou alguma polémica na própria empresa, onde consta existir uma relação tensa entre a Direção de Informação da RTP e a equipa do programa ‘Sexta às 9’, assim como um notório desinvestimento no programa.

“É do conhecimento público que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) confirma ter recebido participações referentes ao facto de o programa ‘Sexta às 9’ ter estado ausente da emissão da RTP desde o dia 19 de julho, e o seu regresso ter acontecido a 11 de outubro e não no dia 13 de setembro”, referem ainda, justificando os três pedidos de audição na Assembleia da República

O presidente do PSD, Rui Rio, já tinha levantando esta questão no debate do programa do Governo, em 30 de outubro, dizendo que os sociais-democratas iriam querer saber porque é que o programa da RTP sobre a exploração de lítio só foi emitido depois e não antes das eleições.

Nesse mesmo dia, a RTP-TV esclareceu que a reportagem só ficou pronta "horas antes" da sua divulgação, rejeitando a utilização deste caso como "arma de arremesso político-partidário".

"A Direção de Informação da RTP-TV jamais tolerará ser utilizada como arma de arremesso político-partidário seja por quem for", sublinha-se na nota assinada pela diretora de informação, Maria Flor Pedroso, e por todos os elementos da sua equipa.

A nota acrescenta que "a informação da RTP não guarda notícias na gaveta em caso algum".

"A investigação, evocada pelo líder do PSD na discussão do Programa de Governo, não estava concluída durante a campanha eleitoral", referiu então a direção de informação da RTP.