Três anos depois de "Com Amor, Simon", o universo do filme de Greg Berlanti (que adaptou o romance homónimo de Becky Albertalli) expande-se numa série cuja primeira temporada chega esta semana a Portugal, através do Disney+ - é uma das estreias nacionais da Star, a nova área de entretenimento do serviço de streaming. E a expansão vai continuar após os dez primeiros episódios, uma vez que a segunda época de "Love, Victor" teve sinal verde da Hulu (plataforma que criou a série) e as filmagens já arrancaram.

A premissa mantém-se: este é, mais uma vez, o relato da descoberta sexual de um adolescente em tons de comédia dramática familiar e esperançosa. Mas se Simon Spier era um rapaz caucasiano, da classe média alta e com pais progressistas, que não hesitaram em apoiá-lo após assumir a homossexualidade, o contexto de Victor Salazar é diferente. Aluno recém-chegado à escola frequentada pelo protagonista do filme alguns depois, o adolescente que dá nome à série criada por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger (argumentistas de "Com Amor, Simon" e "This Is Us") tem origens latinas, vive com uma família da classe média baixa e a sua saída do armário vai ter a religião entre as barreiras.

"Achei a ideia para o spin-off brilhante, com muita atitude e personalidade. Há aqui uma história para contar sobre alguém cujas experiências não são tão idealizadas", explica Brian Tanen, um dos produtores executivos da série, num encontro com a imprensa via Zoom no qual o SAPO Mag esteve presente. "Cheguei ao filme no papel de fã, não estive envolvido na sua criação. E adorei-o, há tão poucos filmes mainstream assim, sobre um adolescente LGBTQ", recorda.

Brian Tanen
créditos: Facebook Brian Tanen

"UMA HISTÓRIA DIFERENTE E MAIS DIVERSA"

"Desta vez quisemos contar uma história diferente e mais diversa, tanto pela questão racial como pela económica, e também pelo facto de os pais do Victor serem religiosos. Tudo isso influencia o coming out do Victor", sublinha o produtor executivo que tem no currículo argumentos de episódios de "Betty Feia", "Donas de Casa Desesperadas" ou "Anatomia de Grey".

"O filme contou uma história que merece ter o seu espaço. Acho que há uma grande vontade de ver filmes cuja história se desenvolva de acordo com os nossos desejos. Nós, da comunidade LGBTQ, nem sempre os temos. Mas com a série temos a oportunidade de a respeitar enquanto dizemos que essa não é a experiência de toda a gente. E aqui podemos contar outra história, mais conturbada, sem necessariamente criticar a visão da anterior", compara.

As circunstâncias contrastantes de Simon e Victor não só são sentidas como diretamente abordadas pelo protagonista da série, que refere que o seu antecessor - figura que ganhou um estatuto quase mítico nos corredores do liceu - teve a vida facilitada. "É alguém que tem medo de assumir a sua homossexualidade porque receia que a sua vida se torne mais difícil, mais solitária e que as suas relações se fragilizem, nomeadamente a familiar. E esse foi um medo que muitos dos argumentistas LGBTQ+ da série sentiram na adolescência. Se a vida me ensinou alguma coisa, é que a verdade é exatamente o caso oposto. A minha identidade LGBTQ+ tornou a minha vida incomensuravelmente melhor", diz Tanen.

Love, Victor

"Houve uma grande tentativa de equilibrar um tom com mais conflito sem perder o lado caloroso do filme. A nossa intenção não é apresentar uma série na qual as personagens estejam traumatizadas no processo do seu coming out. Continuamos a querer mostrar aos jovens que passam por isso que há uma luz no fundo do túnel e honrar o amor, alegria e experiências maravilhosas proporcionadas pelo facto de serem LGBTQ+. Esse foi um dos grandes desafios para os argumentistas e é dos aspetos que mais gosto", acrescenta. "Gostava muito que tivesse havido uma série assim quando eu tinha a idade das personagens".

"SENTI QUE ESTAVA A VER A MINHA FAMÍLIA NA TELEVISÃO"

Michael Cimino, que interpreta Victor, elogia esse esforço de representatividade. "Senti que estava a ver a minha família na televisão, é como se um Michael ainda mais jovem estivesse ali a reviver a sua vida", confessa o ator de 21 anos ao SAPO Mag.

Norte-americano de ascendência porto-riquenha, italiana e alemã, destaca o olhar mais amplo que os argumentistas procuraram dar através de "Love, Victor". "Acho que não há grande representatividade na maioria das histórias sobre adolescentes na televisão ou no cinema. E julgo que esta consegue fazê-lo sem que seja moralista ou diga o que o espectador deve pensar, sem deixar de lhe mostrar o ponto de vista das personagens. (...) Como tem um formato mais longo, sendo uma série, temos mais tempo para acompanhar o que as personagens estão a passar".

Love, Victor

Depois de participar no filme "Annabelle 3 - O Regresso a Casa" ou num episódio de "Training Day", Cimino estreou-se num papel protagonista em "Love, Victor" e tem sido um dos motivos de aplauso da série desde que esta chegou à Hulu, nos EUA, no verão passado. "Foi o meu primeiro grande desafio na representação, estava muito verde. Quis, acima de tudo, representar a minha comunidade da forma mais autêntica possível e honrá-la tão bem como conseguisse".

"Na comunidade latina em particular, ainda é muito difícil alguém assumir a homossexualidade, por isso fico muito orgulhosa por ver a série a dar esse retrato. Não da perspetiva de um caucasiano, mas de um latino", aponta Isabella Ferreira, que encarna Pilar Salazar, a irmã de Victor e talvez a personagem mais intempestiva. "Inicialmente pensava que eu e a Pilar éramos muito diferentes... e de certa forma, somos, ela é muito rebelde e desbocada. Mas depois pensei que quando tinha a idade dela, estava a passar pelo mesmo, a sentir-me sozinha e a achar que não tinha onde me encaixar".

"NÃO HÁ PROBLEMA EM NÃO TERMOS AS RESPOSTAS TODAS"

Rachel Hilson, outro dos nomes mais jovens do elenco, enaltece a capacidade de "Love, Victor" traduzir o desajuste sentido por muitos ao entrarem na idade adulta. "Não há problema em não termos as respostas todas ou em não pertencermos a um certo grupo". A atriz afro-americana dá corpo a Mia Brooks, uma das primeiras alunas a tornar-se próxima de Victor.

Love, Victor

"É alguém que tem uma grande maturidade para a idade, gosta de arte, de pessoas, é muito compassiva. A Mia tem várias camadas e gostei de ir explorando esses lados dela. E depois passar por experiências é algo universal, sobretudo no liceu", descreve. "Através dela, percebi que posso ser uma pessoa forte, e apresentar-me como uma pessoa forte, sem deixar de ser uma pessoa vulnerável nem tentar impedir que outros me vejam assim".

"Todas as histórias são diferentes, não há grande ganho em nos compararmos com os outros constantemente, cada um tem os seus desafios. Se percebermos isso, acabamos por nos sentir menos sós", complementa Isabella Ferreira.

George Sear, que interpreta Benji Campbell, colega por quem Victor se sente atraído nos primeiros episódios, considera que "poder ver uma história destas através de um serviço da Disney é um bom sinal dos tempos". Para o ator britânico, "Love, Victor" é sobre "abraçar a nossa identidade, abraçar quem somos e a nossa própria verdade de forma autêntica. Ao fazermos isso, encontramos as pessoas que é suposto estarem na nossa vida". E deixa um apelo: "Precisamos de mais histórias que se centrem nestes temas e promovam a representatividade da comunidade LGBTQ+, com a qual muitos adolescentes se consigam identificar e que os faça sentirem-se sãos e escutados".

Love, Victor

Brian Tanen subscreve essa necessidade de visibilidade. "Quisemos contar uma história que traduzisse o presente. Ser-se gay e questões de género são menos fraturantes hoje em dia, mas lidar com a homossexualidade ainda não é uma questão pacífica", defende o produtor executivo. "As mentalidades evoluíram, mas ainda há pressões para uma normalização das identidades e comportamentos".

Por isso, Michael Cimino também faz um pedido ao público: "Espero que os espectadores vejam a série de mente e coração abertos e que, de alguma forma, esta possa mudar ou enriquecer o seu ponto de vista". E nem é preciso ter visto "Com Amor, Simon" para conhecer a história de Victor - mas também de Pilar, Mia ou Benji - a partir desta terça-feira, 23 de fevereiro, na nova área Star do Disney+.